Residência terapêutica deve ser espaço de transição, defende pesquisadora

28/06/2010 - 20h09

Lisiane Wandscheer
Enviada Especial

Porto Alegre – Consideradas fundamentais para a implantação da reforma psiquiátrica, as residências terapêuticas devem ser um espaço de transição e não uma moradia permanente para a maior parte dos ex-internos, defende a psicóloga Simone Frichembruder. Em 2009, a professora da Faculdade da Serra Gaúcha analisou essas unidades nas cinco regiões do país. As conclusões resultaram na tese de doutorado Os (Des)Encontros da Loucura com as Cidades.
“Há pessoas que ficaram tanto tempo dentro de uma instituição que hoje apresentam problemas crônicos, têm dificuldades físicas e precisam de uma residência. Há outras que foram para a instituição por uma questão social e não por um transtorno mental e, para elas, as residências poderiam ser um espaço de passagem”, destaca.

Simone reforça que, para garantir a reinserção social das pessoas originárias de hospitais psiquiátricos, as residências devem se desvincular da rotina manicomial – de monitoramento constante do comportamento – e avançar em busca da autonomia dos moradores.

Uma das conclusões da pesquisa é o excessivo controle dos profissionais que atuam como cuidadores e auxiliam no orçamento doméstico, no acompanhamento do uso de medicamentos e, em alguns casos, na cozinha e na limpeza da casa.

“Alguns profissionais que ficam nas moradias acabam reproduzindo os mecanismos de controle utilizados nos hospitais psiquiátricos. 'Essa casa não é a minha casa. Antes quem gerenciava minha vida era o hospital, agora é a Secretaria da Saúde', me disse um morador de uma residência”, relata.

Simone conta que durante a visita a uma residência presenciou uma cuidadora intimidando a moradora por derramar bebida no chão. “Ela colocou um bonequinho na frente da moradora e disse que ele iria observá-la para que ela não fizesse aquilo novamente. Esse controle integral da vida das pessoas para que ela esteja sempre organizada é transformado em sinônimo de reabilitação social”, critica.

A vida fora da instituição hospitalar também traz mudanças físicas às pessoas com transtornos mentais. Para a especialista, quanto mais tempo as pessoas ficam distantes do espaço manicomial, maior é a mudança.

“É inegável a mudança no aspecto da pessoa, a postura do corpo, a voz. Há casos de pessoas que pensávamos que nunca iriam falar e que de repente falam”, explica.

Para a pesquisadora, a reforma psiquiátrica ainda não se consolidou. “Mesmo com o fim dos hospitais, o modelo asilar acaba se reproduzindo nas residências e nos locais de assistência à saúde com o uso de medicamentos, que está arraigado na sociedade”, afirma.


Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo