Orgânicos - Para ganhar mercado, é preciso derrubar mitos como o do preço mais alto

28/12/2009 - 8h37

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A engenheira agrônoma Lúcia HelenaAlmeida, da Associação de Agricultores Biológicosdo Rio de Janeiro (Abio) – uma das instituiçõescertificadoras de produtos orgânicos mais antigas do país e com atuação em váriosestados –, afirma que que não existe tradição deorganização entre os agricultores fluminenses e que,por isso eles acabam nas mãos de intermediários, o queencarece a produção. “Mas nem sempre ointermediário é o vilão; muitas vezes é oparceiro que embala e transporta o produto, e até criando suaembalagem – o que o produtor não faz”, ressalva.Parcelacrescente da produção orgânica chega àsprateleiras de supermercados graças a um esforçoempresarial de sucesso, mas também se presta àmanutenção do mito “produto orgânico écaro”. Praticamente todas as pessoas ouvidas pela reportagemda Agência Brasil disseram que é um mito que interessa ao comércioconvencional para aumentar o preço de uma mercadoria que nãocusta necessariamente mais para ele.“Os produtos orgânicosenfrentam também um problema sério de logística,da saída do produtor até a chegada ao mercado. Como nãotêm aditivos, agrotóxicos, conservantes e, no caso dosanimais, hormônios, não têm nem aquela aparênciaartificial, nem a resistência, também artificial”,explica o porta-voz da Feira da Glória, Renato Martelleto. Arealidade da produção orgânica do estado do Riode Janeiro é frágil como a de outros mercados, comexceção de centros mais organizados, como o Paraná.Ainda assim, incentivados pelas instâncias governamentais einstituições privadas, produtores orgânicosbuscam uma relação econômica mais adulta emadura. Afinal, segundo estimativas da FundaçãoAgricultura e Ecologia da Alemanha, o mercado brasileiro movimenta emtorno de US$ 200 milhões por ano com orgânicos, tambémresponsáveis pelo ingresso de US$ 30 milhões anuais emexportações.A expansão desse mercadodespertou a atenção das autoridades federais hámais de uma década, e desde então tem havidoesforços para o desenvolvimento mais acelerado do setor.Historicamente, a produção de orgânicos no Brasilestá concentrada em pequenas propriedades no cinturãoverde dos centros de consumo, muitas, de uns tempos para cá,rotuladas como de agricultura familiar, o que facilita o acesso alinhas de créditos e benefícios próprios.Verduras,legumes, carnes e demais orgânicos produzidos em taispropriedade são comercializados em feiras nas imediações,a preços competitivos com os dos produtos convencionaisdisponíveis no comércio formal da região,sobretudo hortaliças rapidamente perecíveis. Essarealidade é determinante para a derrubada do mito sustentadotacitamente pelo comércio convencional.“Nãosomos um nicho de mercado e, por isso, vamos lutar pelauniversalização do consumo de orgânicos”,afirma o chefe da Coordenação de Agroecologia doMinistério da Agricultura, Rogério Dias. Ele fazquestão de desfazer o caráter artesanal que a maiorparte do público consumidor atribui aos orgânicos:“Agricultura orgânica é muito mais tecnológicado que a convencional.”Para o leigo, que pode acharestranha ou curiosa a afirmação, o agrônomolembra que a agricultura convencional emprega agrotóxicos,conservantes, estabilizantes e outras substâncias químicasde baixo custo relativo, enquanto a orgânica requer buscaincessante de tecnologias naturais alternativas para livrar seusprodutos das pragas, doenças e outros prejuízos.SegundoHélder Carvalho, representante de vinhos, azeites e vinagresorgânicos em feiras cariocas,  para prevenir e combater insetos que atacam as plantações,os agricultoresrecorrem a gansos e galinhas d'angola, que se alimentam deles. Eleressalta que as galinhas d'angola “comem [os insetos] mas nãociscam e, por isso, não desenterram as sementes e plantas dascovas”.“Outros cuidados bem característicos docultivo de orgânicos são os saquinhos de papelenvolvendo as frutas ainda no pé”, acrescenta, citandogoiabas e figos como frutas protegidas de pássaros e morcegos.“Isso pode encarecer os produtos, em comparação comos convencionais, mas não chega a ser uma diferençaalarmante. Quem procura qualidade e sabor natural, prefere o produtoorgânico. Até o café orgânico tem outrogosto.”Na questão do paladar, uma das maioresdefensoras dos produtos orgânicos é Maria Beatriz DalPonte, gerente do Centro de Gastronomia do Serviço Nacional daAprendizagem Comercial (Senac) do Rio de Janeiro. Formada em letras epós-graduada em administração, ela começoua se interessar pelos orgânicos há nove anos, tendocriado os três filhos com a produção da chácarafamiliar, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.“As pessoasse equivocam na leitura da realidade. É preciso respeitar ociclo da natureza. A produção e o consumo de orgânicossão o resgate de uma prática antiga da históriada humanidade. E hoje os orgânicos são usados peloschefs no mundo inteiro, o que mostra a tendência de ver aquestão como de saúde, e não como coisa dealguma seita”, enfatiza Beatriz. Ela destaca ainda o mito dadifícil aceitação, com a autoridade de quemabriu uma escola de gastronomia no Sul com a chancela do Instituto deCulinária Italiana para Estrangeiros.Psicólogae educadora, Míriam Langenbach, pratica desde 2001, no Rio deJaneiro e em algumas cidades vizinhas, o associativismo para a comprade produtos orgânicos. Na rede ecológica dirigida emcolegiado por cerca de 30 pessoas, há 200 consumidoresinscritos para receber em seu bairro produtos encomendados semanal ouquinzenalmente, dependendo do tamanho do grupo.“Éuma maneira prática e fácil de manter a alimentaçãosem precisar pesquisar e procurar aqui e ali. Nós fazemos ascompras e entregamos em espaços públicos nos bairros,em dia e hora combinados. Pode ser por semana, ou por quinzena.Atendemos de Santa Teresa [bairro da capital fluminense] a Seropédicae Niterói [municípios do estado do Rio] ”, disseMíriam, que mantém na rede um nível básicode profissionalismo para encomendas, entregas e administraçãofinanceira. “Na base do voluntariado só, não dá.”Emoutra vertente, Fábio Seixas Guimarães tambémdefende a produção orgânica e mais ainda: oaproveitamento integral dos alimentos. Na organizaçãonão governamental (ONG) Comendo de Tudo... um Pouco, ele propõereceitas que incluem cascas de ovos e de banana, talos de couve,folhas de couve-flor e de brócolis e outras habitualmentedesprezadas pela culinária convencional.“Épreciso fazer a junção do orgânico com oaproveitamento integral. Afinal, não podemos defender o usoculinário da casca de banana cultivada com agrotóxico,não é mesmo?”, pergunta Fábio, cuja ONGdistribui kits sobre aproveitamento integral em escolas, associações,clubes e outros lugares do Rio.