Supremo julgará em 2010 interrupção da gravidez em caso de anencefalia

24/12/2009 - 13h28

Lísia Gusmão
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar,em 2010, ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadoresna Saúde (CNTS) para permitir a interrupção da gravidez em caso deanencefalia fetal, hoje considerada crime. A ação, protocolada emjunho de 2004, contrapõe ciência e religião, mas, sobretudo, jogaluz na discussão sobre o direito da mulher de interromper a gestaçãoquando o diagnóstico revela anencefalia. O ministro MarcoAurélio Mello, relator da ação, confirmou à Agência Brasilque deverá manter sua posição de que, em caso de anencefaliafetal, a interrupção da gravidez não pode ser considerada aborto.“Aborto é quando o feto tem possibilidade de vida. No caso daanencefalia, não há cérebro. E, se não há cérebro, não hávida”, disse o ministro, explicando que a doação de órgãos éautorizada a partir da morte cerebral. A anencefalia é umamalformação fetal congênita e irreversível, conhecida como“ausência de cérebro”, que leva à morte da criança poucashoras depois do parto. Em 65% dos casos, segundo a CNTS, a morte dofeto é registrada ainda no útero. O Código Penal sópermite o aborto quando não há outro meio de salvar a vida dagestante ou se a gravidez for resultado de estupro. No primeiro caso,o médico não precisa de autorização judicial. Quando a gravidez éresultante de estupro, o aborto só pode ser feito com consentimentoda mulher e autorização de um juiz. Em outros casos, o aborto podeser punido com pena de um a três anos de prisão para a gestante ede um a quatro anos para o médico. Com a ação, a CNTS querque o Supremo declare que a interrupção da gravidez em caso deanencefalia não pode ser punida como se fosse aborto. O argumento éque a permanência do feto anômalo no útero da mãe é“potencialmente perigosa” em função do elevado índice demortes ainda durante a gestação, o que “empresta à gravidez umcaráter de risco”.“Assim, a antecipação do parto nessahipótese constitui indicação terapêutica médica: a únicapossível e eficaz para o tratamento da paciente [a gestante],já que, para reverter a inviabilidade do feto, não há solução. Aantecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo nãocaracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal”, sustentaa ação.Segundo a ginecologista e obstetra Elizabeth KipmanCerqueira, a interrupção da gravidez gera mais danos à mulher doque sua continuidade, embora a dor da morte do filho poucas horasdepois do parto seja imensurável. Em entrevista à AgênciaBrasil, a médica reiterou que, além do risco do câncer que umaborto provocado pode causar, há os problemas psicológicos. Paraela, seguir com a gestação de um feto anencéfalo é mais seguropara a mulher. “Uma coisa é a mãe sofrer a dorinevitável, que é acompanhar a morte natural do filho. Outra ésaber que apressou sua morte”, afirmou a médica, que participou deaudiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre o caso.Jáo psiquiatra Talvane de Moraes defende que a gestante tenha o direitode escolha amparado em um diagnóstico 100% preciso. “É possívelcomprovar a anencefalia. Obrigar a mulher a ter o filho sabendo que oresultado será a morte é um processo psíquico só comparado àtortura”, disse.