Quanto vale a informação?

11/12/2009 - 13h00

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Na internet, o valordepende do local onde ela estiver publicada. Se for na página daAgência Brasil ela é gratuita. Gratuita? Não exatamente,pois a agência pública é mantida com o dinheiro do contribuinte,logo, todos os cidadãos pagam pela sua produção, publicação emanutenção na base de dados, podendo ser acessada livremente, porqualquer leitor, a qualquer tempo.No entanto, seexatamente a mesma informação, for copiada e colada em um portal denotícias pertencente a uma empresa de comunicação privada, elapassa a ter um outro preço a ser pago pelo leitor – queindiretamente já pagou por aquela informação produzida pelaagência pública. Esse preço inclui a assinatura mensal do portal +o aluguel dos olhos do leitor que é obrigado a ver dezenas depropagandas e chamadas publicitárias que ficam piscando sobre anotícia quando você acessa a página. Ou seja, essas empresas quevendem o olhar dos leitores para os anunciantes – tenho tantos milacessos por hora e portanto cada centímetro quadrado de minha páginacusta tanto, dizem eles ao negociar com os anunciantes, tal comofazem com o tempo na televisão, no rádio e em outras mídias,apropriam-se de algo que não lhes pertence.Aproveitando-se da“gratuidade” da informação produzida pela agência pública,portais de notícias privados apropriam-se dela e a vendem comoconteúdo para seus leitores e anunciantes, ou seja, privatizam ainformação e ainda lucram com ela. Indignado, o leitorBanto Palmarino escreveu para esta Ouvidoria: “ Curioso, estavaeu procurando conteúdo sobre o Fórum Social Mundial em Belém eencontrei um com o título "Fórum Social Mundial Pan-Amazônicodeve ser recriado" na folhaonline e eu não posso copiar oconteúdo porque no rodapé está escrito: copyrightFolha Online. Todos os direitos reservados. É proibida a reproduçãodo conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação,eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha Online.Embora o mesmo conteúdo tenha sido copiado do site da AgênciaBrasilque libera seu conteúdo com a licençaCreative Commons Atribuição 2.5. Brasil, ou seja, a primeira nãorespeita os direitos autorais da segunda, que feio!”.A Agência Brasilrespondeu: “O leitor, no caso, pode usar a matéria da AgênciaBrasil.”Não satisfeito o leitor pediu explicações ao ombudsman da Folha, que respondeu:Caro leitor.Agradecemos por sua mensagem a respeito daFolha Online. Esclarecemos que as atribuições do ombudsman sereferem à sua versão impressa. Assim, tomamos a liberdade deencaminhar suas considerações para conhecimento e avaliação doeditor da FOL, que responde: 'O copyright é evidentemente sobre oconteúdo da Folha e da Folha Online. Se o material está assinadopela Agência Brasil já significa de antemão que não é nosso. Masmesmo assim a página, a url () é de nossa propriedade". Ouseja, a informação uma vez publicada na página eletrônica doGrupo Folha, passa a ser propriedade deles por estar ocupando espaçoem sua página eletrônica. Banto, agradecendo àatenção da Ouvidoria da ABr, concluiu: “creio que assimcomo esse artigo outros de vocês estão sendo violados. Se mandamprender pessoas do MST por causa de violação de propriedade, creioque esse é o mesmo crime”.Já a BBC, agênciapública britânica, mantida com o dinheiro dos contribuintesingleses, tem outra postura quanto à reprodução de seu conteúdo.No artigo 4 das regras de uso ela estabeleceu que: “Todos osdireitos de propriedade literária/artística, marcas, direitos dedesenhos, patentes e os demais direitos de propriedade intelectual(registrados e não-registrados) dentro e no bbc.co.uk e todos osconteúdos (inclusive todas as aplicações) localizados no sitepermanecerão empossados na BBC ou nas entidades que lhe concedemautorizações (que incluem outros usuários). Você não podecopiar, reproduzir, republicar, desmontar, descompilar, executarengenharia reversa, baixar, postar, transmitir, comunicar, tornardisponível ao público ou usar os conteúdos do bbc.co.uk dequalquer outra maneira salvo para seu próprio uso não-comercial.Você também concorda em não adaptar, modificar ou criar uma obraderivativa de qualquer conteúdo do bbc.co.uk salvo para seu própriouso não-comercial. Qualquer outra utilização dos conteúdos dobbc.co.uk precisa da autorização prévia por escrita da BBC.” Ou seja, o seu conteúdo é livre para acesso e uso pessoal, mas ouso comercial depende de autorização expressa, por escrito.Preocupados com a quedanos lucros, empresas de comunicação dos Estados Unidos da América,proprietárias de grandes veículos que geram conteúdos, criaram oFair Syndication Consortium (consórcio por uma republicação justa,em tradução livre), em abril, que reúne mais de 1.500 empresasjornalísticas e tem como meta defender "uma economia deconteúdo on-line justo e aberto". Tal consórcio realizouum estudo que acompanhou 101 mil textos publicados por 157 jornais aolongo de 30 dias, entre 15 de outubro e 15 de novembro. Essa massanoticiosa deu origem a 112 mil reproduções na íntegra e 520 milreproduções parciais em 75 mil sites que não tinham autorizaçãopara tal. Quem mais lucrou com a prática foi o Google, empresa queadministrou 53% dos anúncios encontrados nas páginas com noticiárionão autorizado, seguido de Yahoo!, com 19%, e Microsoft e AudienceScience, com 5% cada uma. Embora o levantamento não calcule quantoas companhias noticiosas deixaram de ganhar com essa prática, outroestudo, feito em janeiro entre as 25 maiores empresas de mídia dosEUA, estima que esse grupo tenha deixado de faturar US$ 250 milhõescom o uso indevido de conteúdo, diz o "Financial Times".Segundo matériapublicada pela própria Folha Online “Esse estudo vem a públiconum momento em que os grupos de mídia começam a se mexer contra ouso de conteúdo noticioso original, que tem custo alto e leva tempopara ser produzido, por sites que nada pagam por isso e lucram comanúncios veiculados junto das reportagens reproduzidas semautorização. A ideia do Fair Syndication não é tanto impedir areprodução dos artigos, e sim cobrar uma porcentagem de empresascomo o Google, que lucram com ela. Isso ajudaria a pagar pelaoperação da apuração de notícias, que, no 'New York Times', porexemplo, custa mais de US$ 200 milhões por ano.”Essa é a lógica domercado: quando essas empresas, que vivem da venda de informação,são vítimas da reprodução de seus conteúdos, sem receber poreles, se organizam para dar um jeito e faturar algum em cima de quemos reproduziu, mas quando são elas que reproduzem conteúdos deoutros, nada precisam pagar. Chamam isso de "uma economia deconteúdo on-line justo e aberto".Em face do exposto,caberia perguntarmos: “quem ajuda a pagar pela operação daapuração de notícias da EBC que custa mais de R$350milhões por ano? O Sistema Único de Saúde, por exemplo, arrumou umjeito de ser ressarcido pelas empresas privadas quando prestaatendimento médico a pessoas que pagam planos de saúdeparticulares. Enquanto a EBC,empresa pública de comunicação, matem o conteúdo da AgênciaBrasil licenciado para reprodução gratuita, desde que citada afonte, a indústria que explora a venda da informação, associada àautoridades reguladoras nacionais e internacionais como o ConselhoEuropeu de Publishers, lançaram em junho a "Declaração deHamburgo", para pedir leis que protejam o conteúdo dos textosjornalísticos. O documento foi endossado pela Folha e poroutros jornais brasileiros.Trazendo esse debatepara suas páginas (*), com nítidos interesses na questão, a Folhaouviu a comissária da União Europeia para Sociedade de Informaçãoe Mídia, Viviane Reding, responsável pela política de mídia dobloco, que declarou "Uma das questões mais complexas dasociedade da informação pelo mundo é como garantir modelos denegócios bem-sucedidos para a mídia em uma época de mudançastremendas na tecnologia e no comportamento dos consumidores".Assim os leitores,referidos no debate apenas em sua dimensão de consumidores, sãotratados como objeto a ser explorado por um “modelo de negócios”. Em nenhum momento os “especialistas” e interessados, agentes domercado da informação, levam em consideração o direito doscidadãos de acesso universal, livre e gratuito à informação e aoconhecimento como bens imateriais da humanidade, concepção quejustifica a existência dos veículos públicos de comunicação.Fazer valer esses direitos e tornar esses bens propriedade coletivada humanidade é o grande desafio que se coloca neste momentohistórico em que vivemos, pois só assim eles podem cumprir suafunção social de nos levar a uma nova sociedade mais justa eigualitária. Tratá-los comomercadoria de um comércio altamente lucrativo para um pequeno grupode pessoas, pode ser um “modelo de negócios” que está com osdias contados pois o valor da informação pode estar muito acima doque os “negociantes” imaginam e podem pagar. Basta que os seuslegítimos donos reivindiquem sua propriedade após séculos deexpropriação. O comércio de escravos também foi um negócio legale legítimo dos escravocratas, enquanto durou. Precisamos todos nosengajar em um novo movimento abolicionista que liberte a comunicaçãodo trafico de informações e de conhecimento. Até a próxima semana.(*) - acesso exclusivopara assinantes:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0612200915.htm