Governo diz que proposta da Lei Orgânica não está acabada e defende busca de "equilíbrio"

01/12/2009 - 22h12

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O secretário de Gestão do Ministério doPlanejamento, Marcelo Viana, informou que a minuta do projeto da LeiOrgânica da administração pública, alvo de críticas até de integrantesdo governo, ainda não é um texto acabado e que poderá sofrer alteraçõesna medida em que o governo aprofunde o debate interno. Aproposta foi elaborada por uma comissão de juristas que iniciou otrabalho há mais de dois anos. O objetivo é tornar aadministração pública mais ágil e, com isso, reduzir o custo da máquina. Ementrevista à Agência Brasil, Marcelo Viana, considerou que o capítuloque trata do controle não pretende acabar com as fiscalizações préviasou concomitantes da obras públicas. Segundo ele, a orientação é nosentido de observar os casos nos quais cada tipo de fiscalização é maisadequado. O secretário enfatizou a necessidade de se encontrarum ponto de equilíbrio entre a fiscalização e a necessidade que oadministrador tem de tomar decisões ágeis. “Então eu diria que temosque encontrar um ponto de equilíbrio. Não podemos nem ter uma situação em que o administrador não possa fazer nada, sem ter umcontrole prévio, por outro lado também não podemos imaginar que oadministrador possa fazer o que quiser sem se submeter aos controlesque devem existir", afirmou. Viana disse ainda que o governoestá aberto a contribuições para o aperfeiçoamento do texto, antes queele seja enviado ao Congresso Nacional, que também deverá promover umamplo debate sobre o assunto. “A ideia é que o anteprojeto é um pontode partida qualificado para o debate. Mas não é o ponto de chegada quevai depender exatamente desse trabalho de articulação e discussãodentro do governo e depois evidentemente quando o projeto estivertramitando com uma discussão ainda mais ampla”, explicou.AgênciaBrasil – A proposta sobre a Lei Orgânica da Administração Pública temsido alvo de críticas principalmente em relação ao capítulo que tratado controle. O governo pretende realizar mudanças?Marcelo Viana –Um anteprojeto de lei que foi elaborado por uma comissão de jurídica,para ser debatido. Eles fizeram esse anteprojeto com total liberdade,a pedido do ministro [do Planejamento] Paulo Bernardo,  que instituiu a comissão dejurídica, e agora o governo recebeu essa proposta deles e estásubmetendo a um debate interno.Abr –Mas a proposta tem recebido críticas sobre a supressão dos controlesprévios e concomitantes. Tornar esses tipos de controle uma exceção nãoseria arriscado?Viana - Olha, não há supressão. O fato de serexceção não significa que vai ser suprimido, é preciso deixar issoclaro. O controle vai continuar podendo agir no exercício de suas aatividades. O controle é tradicionalmente uma atividade que ocorre aposteriori, mas nada impede, em absoluto, que haja controle prévioconcomitante se as condições assim exigirem. O fato de ter exceção não significa que não vai ser feito.Abr –O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, critica: diz que ocontrole prévio ou concomitante atende ao quesito da tempestividade dainvestigação. Segundo o TCU, esse quesito tem proporcionado nos últimosanos uma apuração melhor do andamento das obras, uma identificação maisefetiva de irregularidades. Privilegiar o controle a posteriori nãopoderia atrapalhar na identificação das irregularidades?Viana –Nada disso. Ela [Lei Orgânica da Administração Pública] não privilegianem um nem outro [tipo de controle], e cabem os dois quando tiver queser feito. De certa maneira é essa a razão da palavra exceção. O quenão pode é que todos os atos da administração tenham que serpreviamente submetidos ao controle. Senão a administração não vaifuncionar mais. O que a gente não pode é fazer uma universalização. Quetodos os atos da administração sejam submetidos a controle prévio. Senão não precisa mais de administrador. O controle prévio econcomitante deve ocorrer sempre que houver motivos para que ocorram.Agora, os princípios que regem a administração são os princípios geraisde presunção de boa-fé. É o princípio geral que rege a legislaçãobrasileira. Ninguém é culpado a priori. De sorte, que os controles têmque ocorrer quando há motivos que justifiquem a sua atuação. Eu nãoposso impedir que o administrador administre. Ou seja, o administradorpara administrar não pode estar submetido a uma situação em que eletenha que sempre que, antes de tomar uma decisão, usar o controle. Issonão faz o mínimo sentido. Até por que as coisas têm que acontecer e aadministração não pode se atrasar. Agora é obvio, que qualquer ato doadministrador que esteja em processo, em que haja motivos para que seatue de forma previa ou concomitante, isso tem que ocorrer. Só não podeser um ato universal.Abr – A administração pública é emperrada pelas regras que hoje vigoram?Viana -Temos que melhorar a qualidade de gestão. Falo isso com tranquilidadepor ser secretário de Gestão. Evidentemente, aqui há muitas coisas porfazer ainda para melhorar a qualidade da execução no Poder Público deuma maneira geral. Alguns passos no sentido de melhorar já estão sendotomados. Há um processo claro de renovação da máquina pública deprofissionalização e criação de novas carreiras, melhoria geral naqualificação, na formação dos servidores, de sorte que esse pessoal maisqualificado, no âmbito da administração e da execução das atividades,deve melhorar a qualidade dessas atividades. Boa parte dos problemasque são identificados pelo controle em geral não são ilicitudes, maserros cometidos por um despreparo do agente público. De sorte, temosque agir no sentido de, preventivamente, evitar esses erros, mas dentrode uma solução estrutural que é de qualificar a administração públicamediante sua profissionalização. E isso está sendo feito. O governo jácriou carreiras específicas em diversas áreas, tem propostas no sentidode criar outras carreiras, dos ministérios setoriais, principalmentepara as áreas meio dos ministérios, e tem uma proposta tramitando noCongresso que cria funções comissionadas no Poder Executivo cujoobjetivo é profissionalizar os níveis tático e operacional da gestãopública. De sorte que tudo isso é necessário para melhorar a qualidadeda execução.Abr – Mas em relação aos mecanismos de fiscalização?Viana -  No que diz respeito ao controle, nós não podemos imaginarque qualquer ato do administrador tenha que antes ser submetido a umcontrole prévio. O administrador tem que tomar decisões. É da naturezada administração tomar decisões. Ele tem que agir sob pena das coisasnão acontecerem. Claro que se houver indícios que em sua ação há umailicitude, é evidente que os órgãos de controle devem atuar, sim. Agora,temos que ver se o controle está sendo substantivo ou se são problemasde conformidade de natureza secundária. Há pouco tempo, eu tivenotícias, participando de um evento com o prefeito de Vitória, e oprefeito contava que tinha havido um processo pelo qual a prefeitura deVitória tinha emprestado alguns bens para a prefeitura de Salvador paraa realização de um evento. E por que houve o atraso de um dia napublicação no Diário Oficial, do ato que formalizava isso, ele recebeuuma ação por improbidade administrativa, Ou seja, não se pode levar aoexagero de um controle que exacerbe o peso de conformidade secundária.Então, eu diria que temos que encontrar um ponto de equilíbrio. Nãopodemos nem ter uma situação em que o administrador não possa fazer nada, sem ter umcontrole prévio, por outro lado também não podemos imaginar que oadministrador possa fazer o que quiser sem se submeter aos controlesque devem existir. Em relação ao anteprojeto de lei apresentadopelos juristas, conversei com vários deles e todos, em uníssono, medisseram que não há nenhum objetivo no sentido de cercear o controle oude impedir que o controle ocorra. Trata-se apenas de dar o tratamentodoutrinário adequado a cada uma das funções da área pública. Erepetiram isso. Não somente em relação a esse tópico específico quegerou tanta controvérsia referente ao controle a posteriori, mas tambémem relação a outros tópicos. Todo mundo sabe que, na ocorrência decertas irregularidades, a ação concomitante é fundamental para evitarque haja prejuízo ao erário. O que nós não podemos é impedir que oadministrador administre.Abr – O ministro Paulo Bernardo disse que o Ministério do Planejamento está pensando numa forma de ter umregime diferenciado para as estatais a fim de dar um pouco mais deagilidade no processo de contratação. Como esse processo pode serfacilitado sem que haja risco de fraude?Viana – O próprioanteprojeto de lei apresentado pelos juristas prevê um regime especialpara as chamadas entidades estatais de direito privado, entidades essas que incluem as empresas estatais. E hoje a própria lei de licitação jáabre a possibilidade de regimes especiais para as empresas estatais. Émais um nicho de oportunidades que tem que ser trabalhado no sentido deevitar regras que sejam incompatíveis para o bom funcionamento deempresas que estão no mercado e, inclusive, têm concorrentes privados.Outro aspecto que gostaria de frisar sobre a questão de controles, éque nós temos uma cultura muito burocrática formal. Os nossosmecanismos de controles se prendem, em geral, a procedimentos e aconformidades, e, em geral, esquecem que tão importante quanto controlarprocedimentos e provavelmente mais importante é controlar resultados. Eo anteprojeto apresentado pelos juristas prevê mecanismos de controlede resultados na administração pública mediante a adoção de contrato deautonomia. Por isso é importante.Porque eu posso ter todoum processo absolutamente legal, seguir todas as conformidades e nãogerar nenhum resultado para a administração ou para a população quepaga impostos. É preciso que haja um controle no âmbito daadministração, e por isso o anteprojeto propõe a figura dos contratosde autonomia, mediante a qual os entes públicos poderão ter maisliberdade para atuar no ponto de vista orçamentário, financeiro eadministrativo, mas em conseqüência, estarão também obrigados a cumprirmetas e resultados previamente pactuados.Abr-Outro ponto que o TCU tem questionado, é o dispositivo que pode darmargem às empresas privadas de se livrarem da fiscalização mesmo tendorecebido recursos públicos?Viana – No anteprojeto apresentadopara os juristas, em outro momento, se finaliza nessa direção. Não só seprevê que deve haver um controle da legalidade dos atos contratuaisfirmados, como também do cumprimento do objeto desses contratos. Aprestação de contas é necessária. Você tem que comprovar que o objetocontratado foi executado, que houve a execução física. Toda essaprestação de contas tem que ocorrer. O que não pode, e é o que osjuristas estão querendo deixar claro, é exigir que entes privados sigamnormas de direito público. Os entes privados têm que serresponsabilizados nos limites dos atos contratuais firmados e doscompromissos assumidos. Não pode haver ingerência na gestão internadesses entes. Foi só isso que os juristas sugeriram no anteprojeto. Ouseja, os entes privados são regidos pelo direito privado e os entes públicossão regidos pelo direito público. Se um ente privado faz um contratode alguma natureza com o setor público, esse ato que estar regido pelalegalidade, conforme a lei, o objeto contratado temque ser cumprido. De sorte que cabe a avaliação da execução física efinanceira do contrato firmado. E em relação a isso, é evidente que aentidade não governamental é responsável e passível, portanto deresponsabilização. Agora, o regime jurídico dela continua sendo dedireito privado e não de direito público. Significa que ela não tem queobedecer às normas de funcionamento da administração pública. Elafunciona com base nos seus atos e o no seu contrato social. Em relaçãoao que foi contratado, ela tem que prestar contas de tudo, executarfielmente o que foi assumido nesse ato contratual.Abr – O senhor poderia exemplificar como essa regra poderia agilizar a administração?Viana– Não é questão de agilizar. É só você não poder impor às pessoasobrigações que elas não têm que cumprir. Imagine que você fosseobrigada, na administração do seu lar, a fazer o cumprimento de algumaregra de direito público só por que você eventualmente tivesse umcontrato com o setor público. As normas têm que reger ao cumprimento docontrato que você firmou. Vamos imaginar que você preste um serviço àadministração pública, que você tenha um contrato com a administração,que você trabalhe na área de comunicação e tem que cumprir determinadasobrigações em função desse contrato. Você só pode ser cobrada noslimites do contrato que você firmou. Eu não posso te obrigar a fazermais nada para além do contrato. Na verdade, o que os juristas fizeramfoi colocar o obvio no texto da lei, por que o objetivo dessa propostaé colocar a casa em ordem, definindo os papéis e as responsabilidades decada um para evitar os conflitos administrativos e/ou judiciais que possamprejudicar o desempenho da máquina pública.Abr – O senhor considera que são injustas as críticas feitas. Este projeto de lei pode abrir caminho para o desvio de verbas públicas?Viana– O que eu acho que é que a leitura do texto acaba um poucocomprometida por um ambiente que foi um pouco conflitivo  nesse períodomais recente. Essa proposta foi elaborada durante um ano e meio, foiapresentada ainda em julho desteano, quando nenhuma dessas discussões envolvendo TCU, o governo eoutras entidades estavam postas. E é uma discussão que tem que serfeita com tranquilidade de ânimos, no sentido de nós buscarmos melhoraro marco regulatório da Administração Pública. Não se trata de ter umconflito entre este ou aquele segmento da Administração Pública,buscando um bode expiatório para os diversos problemas que aadministração tem. Na verdade, de nós, de comum acordo, gestores públicos,advogados, controladores e todos os agentes públicos, procurarmosnormas que, definindo bem as atribuições de cada seguimento dentro daadministração, produzam aquilo que é o objetivo comum, que é de atender aopúblico com qualidade, segurança jurídica, enfim, com condições deeficiência, eficácia e efetividade.Abr – Quando essa proposta será enviada ao Congresso?Viana -Ainda é um anteprojeto. Só se torna um projeto quando encaminhado pelopresidente da República. Mas, agora, nós estamos naquele momento em que aproposta elaborada pelos juristas deve ser submetida à discussão com osdiversos órgãos e entidades da administração pública que sãointervenientes no processo. Esse processo já esta sendo feito por meiode consultas. A Advocacia-Geral da União, por meio do ministro e doconsultor-geral da União, vai levar o assunto para debater com ochamado colégio de consultores, que reúne um conjunto de consultoresjurídicos da administração federal. A Casa Civil vai fazer a mesmacoisa. E a própria CGU ia nos encaminhar uma documentação sugerindoo aperfeiçoamento de diversos itens do anteprojeto, o que vem aoencontro das nossas expectativas. A ideia é que o anteprojeto é umponto de partida qualificado para o debate. Mas não é o ponto dechegada que vai depender exatamente desse trabalho de articulação ediscussão dentro do governo e, depois, evidentemente quando o projetoestiver tramitando com uma discussão ainda mais ampla.Abr - Mas há uma previsão de quanto tempo essa proposta levará para ser aperfeiçoada e, depois disso, enviada ao Congresso?Viana– Não há um prazo definido. Vai depender ainda dessas reações e dassugestões que forem feitas à luz da análise do documento em si. Essadecisão não está no nível burocrático administrativo. É uma decisão deuma esfera mais elevada. A decisão da oportunidade e conveniência deencaminhar o projeto de lei ao Congresso.