Embaixador brasileiro no Vaticano diz que acordo não privilegia catolicismo

22/11/2009 - 15h48

Amanda Cieglinski
Enviada Especial
Roma - Emagosto de 2009, o Congresso Nacional ratificou acordo que havia sidoassinado em 2008, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trata das relações entre o Brasil e o Vaticano e estabelece o estatuto jurídico da Igreja Católica. O acordodespertou polêmicas, e alguns setores da sociedade alegaram que a iniciativa significava interferir no posicionamento de neutralidade do Estado em matéria religiosa. Mas, para o embaixador doBrasil no Vaticano, Luis Felipe Seixas Corrêa, o acordo “nãoinova” e muda pouco a relação entre o Estadobrasileiro e a Igreja Católica. Em visita ao Vaticano, aAgência Brasil conversou com Seixas Corrêa sobreos impactos do acordo. Mesmo com o avançodas religiões evangélicas no país, ele conta queo Brasil ainda é visto pela Santa Sé “como o [país] maiscatólico do mundo”. Agência Brasil: O acordo assinadopelo governo brasileiro com o Vaticano e ratificado pelo CongressoNacional despertou muitas polêmicas. Muitos dizem que ele ferea laicidade do Estado. O senhor concorda?Seixas Corrêa: Esse acordo de fatoensejou algumas polêmicas que eu acredito que tenham sido jáesclarecidas. Como o acordo não era - e talvez não oseja - muito conhecido no seu exato conteúdo, podem surgirlegítimas indagações a respeito da suaconsistência com o estado da laicidade. O Brasil, durante todoo período colonial e monárquico, viveu o chamado regimedo padroado, segundo o qual a Igreja era parte do Estado. Quando seproclamou a República, uma das primeiras determinaçõesfoi romper esse vínculo e separar a Igreja do Estado, como jáera prática nos principais países avançados.Muita gente diz que, como o Brasil é um Estado laico nãodeve ter um acordo com a Igreja. Eu penso que o argumento deve servisto pelo lado oposto. Justamente porque o Brasil é um Estadolaico deve ter um acordo com a Igreja porque se não fosse umEstado laico não haveria necessidade de um acordo, porque, aí, a Igreja seria parte do Estado, como acontece em vários países.ABr: Quais mudançaspoderão vir a partir do acordo? E como fica a questãodo ensino religioso nas escolas?Seixas Corrêa: O acordo nãoinova. Ele consolida, em um único instrumento, diversos aspectosda legislação que está em vigor e que rege ofuncionamento da Igreja. São questões como apropriedade e conservação dos lugares de culto, dopatrimônio histórico, a movimentação evistos de sacerdotes, questões fiscais, trabalhistas. O textodo acordo foi negociado com muito cuidado, observando a legislaçãoem vigor no Brasil, e não há, na forma final, nenhumainconsistência. O tema do ensino religioso já existe,não é que vá se impor algo. Se dará aoportunidade para que as escolas públicas ofereçam, emseu currículo, o ensino religioso. Mas isso dependerá dainiciativa das escolas nos municípios em que elas estãolocalizadas. ABr: O acordo nãoprivilegia o catolicismo em detrimento de outras religiões?Seixas Corrêa: Ele não éum acordo excludente, na medida em que todas as religiõesreconhecidas como tal e estabelecidas no Brasil poderãonegociar e reivindicar condições análogas. O quenão pode haver é um acordo internacional [com outras religiões] porque areligião católica tem essa peculiaridade que nãoé característica de nenhuma outra religião. Opapa é o chefe de um Estado que tem uma característicaestatal, assina acordos internacionais e tem representaçãode Estado. Mas qualquer outra denominação religiosapoderá ser objeto de legislação específicaou, eventualmente, negociar acordos administrativos. ABr: Como o Vaticano temvisto o avanço das religiões evangélicas no Brasil?Seixas Corrêa: A Santa Sé e aspróprias lideranças católicas brasileirasconsideram esse tema com preocupação. Antigamente, melembro que a gente lia, na escola, que o Brasil era um país cujapopulação se declarava 90% católica. Hoje, essenúmero está em torno de 70%. Vamos ver no Censo de 2010qual é efetivamente essa porcentagem. Nesse intervalo, houve umcrescimento muito grande das chamadas denominaçõesevangélicas. E isso, sob o ponto de vista da Igreja católica,é motivo de preocupação e de questionamento. Maso catolicismo, apesar dessa diminuição, é aindaa religião prevalente entre os brasileiros, pelo menos do pontode vista declaratório. Tanto é assim que o Brasilainda é tratado aqui como “o país mais católicodo mundo”. Isso coloca o Brasil numa posiçãoprivilegiada em suas relações com o Vaticano. Para darum exemplo, o Brasil foi, até agora, o único paísvisitado pelo Santo Papa [Bento XVI] na América Latina.