Jornalismo plural

20/11/2009 - 9h47

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - A realidade é plural.O ser humano também. Para tratar de ambos o jornalismo precisacontemplar os diversos aspectos que integram a vida em sociedade.Sociedade que está cada vez mais complexa principalmente quandoanalisamos os impactos da presença humana sobre a natureza. Vivemosa contradição de estarmos destruindo o planeta que nos sustenta.Reportar esse processo de destruição e as tentativas de preservaçãoe recuperação é o desafio que o jornalismo do século XXI tem pelafrente. O próprio ser humano ainda não sabe como lidar com isso,mas sabe que não pode mais jogar para debaixo do tapete o imensoproblema que criamos com nosso modo de vida e de consumo.Sustentabilidade é a palavra que deve permear todas as pautas, todasas ações daqui para frente se quisermos sobreviver enquanto espécieentre todas as espécies de vida.Quanto mais complexa setorna nossa realidade mais queremos simplificá-la. Daí selecionamosaspectos com os quais conseguimos lidar - geralmente dois opostos eignoramos os demais. No jornalismo, enquanto atividade humana, não édiferente. Na busca da simplicidade frequentemente caímos naarmadilha de trabalharmos com alternativas que se excluem mutuamente: direita ou esquerda, governo ou oposição, estatal ou privado,nacionalismo ou entreguismo, e, no caso do modelo de exploração dopetróleo armazenado na camada pré-sal: partilha ou concessão? Mase a sustentabilidade?Quando uma discussãocai nessa polarização, reduzindo-se a somente duas alternativas,criam-se lados opostos cujo antagonismo passa a prevalecer sobre obom senso. A disputa se encerra em si mesma. Vencer o opositor e atémesmo, eventualmente, eliminá-lo, passa a ser o objetivo e não maisa melhor solução para o problema. Frequentementeassistimos ao jornalismo explorando e se alimentando desse tipo depolêmica protagonizada por políticos e autoridades que se embrenhamem tais disputas a caça de votos. Quando isso acontece o interessepúblico é quem perde pois torna-se um objetivo secundário naguerra de veleidades por prestígio pessoal e poder. No mundo, assistimos ainúmeros conflitos advindos da polarização de posições esofremos muito com eles. Em seu nome criaram-se fronteiras,construíram-se e constroem-se muros para demarcar diferençaspolíticas ou econômicas, dividindo povos e nações e, muitasvezes, colocando uns contra outros em guerras que mancham de sangue ahistória da humanidade. O jornalismo em taissituações pode jogar um papel decisivo realimentando as desavenças,semeando o ódio entre os opositores ou esclarecendo e informandosobre os reais objetivos das contendas e os interesses pessoais,politico-partidários ou econômicos que estão em jogo. Mas paracumprir com seu dever de informar é necessária a isenção, oapartidarismo e a imparcialidade de não se deixar capturar pelosinteresses em questão. É ai que entra o valor da pluralidade dainformação, mostrando que sempre existem muito mais opções e queelas nem sempre são consideradas pelos opositores que protagonizamas disputas – o jornalismo plural é aquele que está acima dadisputa e que não tenta convencer o leitor de que essa ou aquelasolução seja a melhor, mas que existem múltiplas soluções, cadauma com suas vantagens e desvantagens. Uma das premissas paranão se cair na armadilha dos “dois lados” da questão éestabelecer critérios para seleção das fontes que serão ouvidasnas matérias. Dentre eles, é importante saber se a fonte está ounão alinhada com determinada posição e deixar claro para o leitortal possível alinhamento, bem como as razões históricas que odeterminaram. Mas além disso é necessário buscar fontes que inovamno olhar e nas propostas de solução, que fogem do óbvio, recriam,reinventam as possíveis interpretações, quebram paradigmas edesconstroem preconceitos – discutem a sustentabilidade da açãohumana.

Comentando aescolha da fonte da Agência Brasil na matéria Ex-ministroda Fazenda diz que concessão é o melhor modelo para exploração dopré-sal, o leitorAntonio de Pádua Pereira escreveu para esta ouvidoria. Sob otítulo: “Dar voz a quem não deveria” ele ponderou: “Nãoentendo por que dar voz a esse tal de ex-ministro. Quem é ele alemde capacho e entreguista? Ora o debate no Brasil precisa ser feitocom gente comprometida com o Brasil, com nosso povo. Estamos fartos ecom nojo desses entreguistas, capachos e colonialistas que travam onosso desenvolvimento.”AAgência Brasilrespondeu ao leitor: “"Agradecemos o leitor pelocomentário. A Agência Brasil busca ouvir o maior número de fontes,com base nos princípios de isenção, apartidarismo e equilíbrio.Ao mesmo tempo que publicamos a fala de Mailson da Nóbrega, que éconsultor de grandes empresas e bancos, ouvimos a indústria sobre acobrança de IOF nos investimentos estrangeiros em bolsa de valores etítulos públicos. [linkpara a matéria Taxar capital estrangeiro é inócuo, diz Maílson daNóbrega]. Quanto ao tema pré-sal, Maílson da Nóbregaparticipou de uma audiência pública no Senado. A Agência Brasiltem buscado reportar o que se diz sobre pré-sal em quatro comissõessimultâneas na Câmara dos Deputados e em comissões do Senado. Éum debate público e aberto a ser acompanhado."Aque o leitor replicou: “Agradeço a resposta da AgênciaBrasil. Acredito contudo que muita gente com muito conhecimento sobreenergia e petróleo está participando dos debates sobre a propostaencaminhada pelo nosso presidente Lula, e pouco tem-se falado dosverdadeiros conhecedores do assunto. Agora eu penso que quemrespondeu minha mensagem confunde um pouco o que é lobista com o queé consultor. Não podemos confundir o debate no Estado democráticovoltado para os verdadeiros interesses nacionais, com o 'debatedemocrático' voltado para os interesses particulares. A proposito dotal ex-mistro, o grande legado deixado por ele foi o desmanche dainfra-estrutura brasileira no fim da era Sarney.Noque tange ao debate interno travado no Congresso Nacional sobre omarco regulatório do pré-sal, a AgênciaBrasil tem conseguidorefletir em suas matérias as diversas posições que ali têm semanifestado a convite de deputados e senadores que selecionam,segundo seus próprios critérios, quem deve ou não ser ouvido,conforme seus interesses e os que representam. Mas a agência públicapode ultrapassar esses limites e critérios de escolha de suas fontesprocurando ouvir àqueles que colocam o debate em outros termos,mostrando que há opções que vão muito além daquelas sobre asquais os políticos se debruçam nesse momento. Na cobertura sobre oassunto prevalecem as fontes oficiais do governo, do Legislativo e deorganizações patronais ligadas a empresas de petróleo .Osinteresses nacionais podem estar além da mera discussão econômicasobre o melhor modelo de contrato de exploração do petróleo -fonte de energia que gera o devastador efeito estufa. Nesse momento,diversas nações mundo afora estão procurando e pesquisandoenergias alternativas. Seu desenvolvimento carece do investimento deelevados recursos financeiros, talvez no mesmo montante que o Brasildisporá para exploração do petróleo do pré-sal. Asustentabilidade econômica, social e ambiental de nossa matrizenergética, presente e futura, é uma das abordagens do problema que tem sido evitada pelo poderes do Estado e muito pouco discutidapela imprensa. Mas o cidadão precisa ser informado que essa pautatem sido ignorada e postergada, talvez além do limite que a naturezasuporta.. Voltandoàs fontes ouvidas pela Agência Brasil e à maneira de abordar aquestão energética e seus efeitos, o leitor Wagner deAlcântara Aragão escreveu: “No afã de não ser uma agênciachapa-branca, a Agência Brasil às vezes luta contra a notícia.Busquei aqui, na agência pública, me inteirar dos projetos do marcoregulatório para o pré-sal e me deparei com mais destaque sobre umanão provável queda do preço da gasolina, num tom dedesqualificação de todo um projeto, uma perspectiva de ganhos comas novas reservas, do que com alguma matéria esclarecedora sobre osanúncios em si, sobre o que o governo propõe com esses projetos. AAgência Brasil não deve cair na onda do negativismo do Uol/Folha,G-1/Globo, Estadão... Divulgar, noticiosamente, os atos do poderpúblico não é ser chapa-branca, é prestar um serviço àsociedade.”, referindo-se à matéria Governo não pretendediminuir preço da gasolina por causa do pré-sal, diz Lobão.A Agência Brasilnão respondeu à demanda do leitor (**), mas a questão que se coloca ésaber por que a ABr pautou o assunto do preço doscombustíveis tentando associá-lo ao anúncio das descobertas dasreservas do pré-sal. É claro que o preço que o consumidor paga nabomba é um dos fatores que integram uma discussão sobre asustentabilidade do modelo energético brasileiro, mas esse é apenasum dos aspectos que precisa ser discutido dentro do contexto do tipode energia que impulsionará e sustentará o processo dedesenvolvimento que o pais adotará nas próximas décadas. Tratadode maneira isolada, o tema atende às expectativas do cidadão apenasna sua dimensão de consumidor e não em sua plenitude de cidadãointeressado nas grandes questões nacionais e internacionais.Na ultima década doséculo passado, quando se estabeleceram as regras do marcoregulatório em vigor, a imprensa se omitiu de informar ao cidadãosobre o que estava em jogo. Alinhou-se incondicionalmente ao discursoneoliberal reproduzindo-o ao sabor dos ventos. O resultado foi umdos piores modelos de contrato de concessão que um Estado nacionaljá estabeleceu, segundo a opinião de engenheiros especialistas daPetrobrás. Hoje o assunto está na pauta da maioria dos veículos decomunicação e, de uma forma ou de outra, o cidadão está tendoacesso à informação para se posicionar sobre a questão, mastalvez ainda falte pluralidade nessa informação.Referindo-se à matériaCada brasileiro emite por ano 10 toneladas de gás carbônico,informa Inpe, publicada dia 18de novembro, o leitor MauriAlexandrino escreveu “Assimfica difícil. Por favor, me expliquem oque significa isso: cada brasileiro emite 10 toneladas de gáscarbônico por ano? Está publicado no site da Agência Brasil e járeproduzido, literalmente, por toda a internet e mídia tradicional.Qual é o sentido desse título? Seria a emissão total do paísdividido pelo número de habitantes? Seria uma imensa tolice fazertal cálculo, que beira a velha piada do 'frango pela média', masainda assim, caso seja essa a razão de tal esdrúxulo título, teriade ser explicado ao leitor e demais receptores (e retransmissores dainformação). De qualquer modo, fica minha queixa de que a AgênciaBrasil não deve (não pode) reproduzir os mesmos modos de tratamentoda informação da grande imprensa. Isso é ridículo, a agêncianacional de notícias agindo como tablóide inglês. Por favor, meexcluam dessa conta absurda.”A Agência Brasilrespondeu ao leitor: “as informações que constam na matéria eo título estão dentro da boa prática do jornalismo. AgênciaBrasil não poderia ignorar o alerta feito pelo cientista CarlosNobre em depoimento feito esta semana no Congresso Nacional aosparlamentares. O cientista não apresentou, na ocasião, ametodologia de seu estudo. A Agência Brasil está apurandoinformação para melhor compreensão do assunto.”Associare integrar a cobertura sobre o destino das nossas reservas depetróleo e o aquecimento global é um dos desafios que se colocaneste momento para a imprensa brasileira, principalmente às vésperasdo encontro de Copenhague onde procurará se estabelecer os termos demais um tratado internacional sobre a redução de emissões de gasesque provocam o efeito estufa. Superar as armadilhas da polêmicaeconômica entre os diversos tipos de contrato de exploração, semdesprezá-la, é o papel de um jornalismo plural que poderá mostrarao público que há alternativas além daquelas que o CongressoNacional e o poder executivo estão debatendo. Nas44 matérias publicadas pela Agência Brasil entre 31 de agosto e 17de novembro, foram ouvidas 53 fontes sendo: 26 a favor do regime departilha, 6 a favor com ressalvas, 1 com posição não definida e 20são contra. Os linksentre as matérias que permitem ao leitor navegar pelo assunto sãomínimos ou inexistentes. Na falta deles fica mais difícil saber quehá opiniões que se contradizem pois a maioria das matérias sãobaseadas em uma única fonte. Esse e outros aspectos da cobertura daimprensa sobre as questões climáticas são analisados em recenteestudo publicado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI (*). Até a próxima semana.(*)Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de 50jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007 – ANDI.Disponível em: http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/614 <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> (**) Ao contrário doque informamos, a Diretoria de Jornalismo da EBC respondeu em 15 desetembro à demanda do leitor Wagner de Alcântara Aragão nosseguintes termos:"A crítica começapor questionar chamada da Agência Brasil sobre eventual não reduçãode preços de gasolina relacionada ao pré-sal. E indaga: Por que umachamada desta natureza? Em primeiro lugar, esta foi apenas uma dedezenas e dezenas de chamadas sobre o tema. Além disso, estamosconvencidos de que o cidadão comum está, sim, interessado em saberse o preço da gasolina vai subir ou ser reduzido em função dadescoberta/exploração do pré-sal. Se coincide com informaçãoveiculada por outros meios de comunicação, não é nosso problema.Não nos norteamos pelos outros, e sim pelos critérios do que énotícia de interesse do cidadão. Nossa seleção de notícias levaem conta, antes de tudo, o serviço que, como empresa pública,devemos prestar à sociedade veiculando informação de interessepúblico. A crítica se estende à TV Brasil em relação ao mesmoassunto. Questiona uma pergunta feita pela repórter do telejornalRepórter Brasil ao presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, sobreo preço da gasolina. Entendemos que a pergunta foi jornalística epertinente. E que criticar a indagação da repórter ao entrevistadoé um patrulhamento descabido. Entendemos que nossos repórterespodem e devem perguntar, sim, tudo aquilo que o cidadão brasileiroperguntaria. E duvido que se colocarmos qualquer cidadão brasileiroà frente do presidente da Petrobras ele não lhe fará qualquerindagação sobre preço da gasolina. Aliás, algum outro noticiáriode TV aberta deu entrevista desse tamanho com o presidente daPetrobras esclarecendo dúvidas sobre o assunto? Consideramos queesse tipo de crítica só pode estar partindo de quem não assistiu enem leu todo o material da cobertura ao longo dos dias em que ela seestendeu. E esclarecemos: a TV Brasil e a Agência Brasil nãoconsideram que o preço da gasolina seja o aspecto mais relevante dopré-sal. E isso ficou claro na totalidade do material veiculado,quase todo ele dedicado a noticiar o conteúdo das propostas deexploração do pré-sal, sua repercussão, explicar o que épré-sal, mostrar em artes e gráficos onde está e situar oleitor/telespectador sobre a importância do pré-sal. Durante toda asemana em questão, o pré-sal foi o principal tema de cobertura dojornalismo da TV e da Agência. Nesse mesmo instante, temos umaequipe retornando de local onde nenhuma outra TV chegou ainda com omesmo foco: dormindo numa plataforma de petróleo em mar aberto parafazer um programa Caminhos da Reportagem especial sobre pré-sal.Mais adiante, a crítica afirma que "..um momento históricocomo esse que poderia ter sido explorado de maneira magnífica pelaEBC, iniciando pelo belo discurso do presidente Lula - não passou deuma questão menor pela EBC...". Tenho a impressão de que osignatário da mensagem não terá assistido especificamente aomaterial veiculado na TV Brasil sobre o discurso do presidente. Tevemais espaço do que em qualquer outra emissora, já que, para nós,tratava-se da notícia mais importante do dia a ser levada ao cidadão- e foi. Causam, porém, certo estranhamento as palavras usadas peloautor da crítica/mensagem, demonstrando que ele talvez não tenhacompreendido bem o conceito de jornalismo público. Entendemos quefazer jornalismo não é "explorar" nada, nem de "maneiramagnífica" nem de maneira não-magnífica. É informar. Fazerjornalismo público é levar informação ao cidadão para que estetome suas próprias decisões. Deixemos os adjetivos e as loas aos"momentos históricos e magníficos" para os serviços dedivulgação e propaganda. O jornalismo que tem como foco servir emprimeiro lugar ao cidadão é sóbrio, objetivo e sem adjetivos. Nãosubestimamos a inteligência e nem a capacidade das pessoas de formarsua própria opinião a partir da informação completa,diversificada, plural e apartidária. E o cidadão que assisitu nossacobertura sobre o Pré-sal certamente foi informado da dimensão e daimportância de sua descoberta e exploração, e certamente sabe quese trata de um momento histórico - sem que tenhamos que tentar fazersua cabeça com recursos de propaganda..."Estamos certos deter feito uma cobertura sobre o pré-sal não apenas mais extensa,mas melhor, qualitativamente, do que a maioria dos veículos decomunicação. O que não fizemos, e nem faremos enquanto formosresponsáveis pela produção jornalística da EBC, é propaganda dequalquer tipo. Nossa missão aqui é fazerjornalismo.obrigada.Helena Chagas"