A imparcialidade da informação

06/11/2009 - 10h22

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - A imparcialidade émuito mais do que uma virtude no jornalismo. Ela é condiçãofundamental para que o leitor acredite ou não em uma informação.Se aplicada com o devido rigor, ela evita que se cometa enganosapresentando afirmações que não correspondem à realidade dosfatos ou, pelo menos, não à totalidade da opinião sobre os fatos.A parcialidade dainformação inspirou um sentimento de indignação e desconfiança da leitora MariaLúcia de Andrade Pinto ao ler a matéria Brasileiros que vivemem Honduras defendem novas eleições para pôr fim à crisepolítica, publicada dia 10 de outubro. Ela escreveu: “Achoabsurdo publicar uma matéria na qual se informa que os 350brasileiros que vivem em Honduras se manifestam a favor de eleiçõesnaquele país. Alguém sabe se existem mesmo 350 brasileiros emHonduras que assinaram essa declaração? Isso é pura propaganda dahedionda ditadura que domina Honduras nesse momento”.A matériaaparentemente generaliza uma informação a partir da opinião deuma única fonte ouvida pela reportagem atribuindo-a a todos osbrasileiros residentes naquele país como se eles tivessem realmentesido ouvidos. Para afirmar que “a expectativa de todos” é essaou aquela, todos precisariam ter a oportunidade de manifestar suaexpectativa em relação à crise politica e o feito de maneira unívoca, noentanto, apenas uma brasileira, presidente de uma “associaçãoorganizada [sic]” falou por eles, sem constar que os tenha ouvidoem qualquer pesquisa ou enquete em que pelo menos uma maioria semanifestasse dessa ou daquela forma. Mesmo assim, se a supostapesquisa existisse, no máximo a ABr poderia informar que amaioria dos brasileiros defendem determinada saída para a crise política e não sua totalidade, por umaquestão de precisão – outra virtude do jornalismo.Se a Agência Brasiltivesse feito a devida apuração provavelmente disponibilizaria os resultados da pesquisa para a leitora em sua resposta,justificando o que afirmou na matéria. A resposta foi apenas:“Agradecemos a leitora pelo comentário”. De onde veio ainformação de que 350 brasileiros que vivem em Honduras declararamsua opinião? Esta é a pergunta da leitora para a qual a ABr nãoapresentou a origem da informação. Continuando, a  notícia traz outras constatações e inferências que carecem de embasamentopara que possam se sustentar. Para dizer que a comunidade debrasileiros “virou alvo das atenções” seria necessário que amaioria do povo hondurenho fosse ouvida e declarasse que tinhavoltado suas atenções para tal comunidade - o que sabemos quetampouco aconteceu. Ao tentar qualificarsua fonte, a ABr fornece informações discriminatórias quesó têm relevância pelo conteúdo preconceituoso que carregam.Dizer que ela é uma veterinária casada a qualifica de algumamaneira para emitir opinião sobre a situação politica do país quea acolheu? Ou dizer que ela trabalha, pertence à classe média altae que é “culta”? Qual é o indicador de cultura para se mediresse tipo de atributo? Tampouco o fato dela ter participado dereuniões promovidas pela comitiva parlamentar que visitouTegucigualpa ou manter contato com diplomatas pode ser uma credencialse essas informações não forem devidamente qualificadas.Participou como? Oficialmente? Na qualidade de que? Que tipo de relações elamatem com diplomatas? Profissionais? Amadoras? De parentesco ouamizade?A mesma fonte éutilizada pela Agência Brasil para emitir opinião sobre aconfiabilidade do Tribunal Eleitoral de Honduras e a origem de seusmagistrados, como se eles precisassem desse tipo de aval. No campo dageopolitica internacional há normas, hierarquia e protocolos queprecisam ser respeitados pela imprensa de um país em relação aoutro. Se a ABr queria informar aos leitores sobre asatividades e a confiabilidade da Suprema Corte eleitoral daquele paíspor que não solicitou uma entrevista diretamente a seus integrantes?Concluindo, a referidafonte faz menção ainda à “interferência” de nosso governonaquele país e a suposta perseguição a cidadãos brasileiroshostilizados por “algumas pessoas estressadas com toda essa crise”.Será que o simples fato de “acompanhar o processo politico no paísonde vive” a qualifica para emitir opinião sobre nossa políticaexterna e a Agência Brasil a publicá-las? Será que osimples fato de “acompanhar o processo politico no país onde vive” a autoriza a comentar publicamente a politica interna daquele paíse a Agência Brasil a publicar seus comentários? Sequerembaixadores fazem isso quando não estão devidamente autorizadospelo Itamaraty por uma questão de respeito à soberania das nações.Somando as imprecisõescometidas na matéria há que se perguntar a quem serviram taisinformações? No jornalismo, quando se encadeia uma sucessão deargumentos e de opiniões de uma única fonte sobre um assunto corre-se o risco da parcialidade- uma tentativa de induzir o leitor a uma determinadaconclusão. O maior ou menor sucesso dessa deplorável atitudedependerá justamente da legitimidade da fonte para falar sobre oassunto. No caso, para a leitora, parece que ficou evidente que“isso é pura propaganda da hedionda ditadura que dominaHonduras nesse momento”. Para não ter suasnotícias interpretadas dessa forma, a Agência Brasil precisade rigorosa apuração dos fatos e de critérios para selecionarsuas fontes. A maneira de abordar certos assuntos regidos por regrasestabelecidas em tratados internacionais devem respeitar preceitoséticos e diplomáticos. Se as eleições são ou não a saída paraa crise politica isso poderia ser discutido à luz do contexto em quese deu o golpe de estado e de suas causas internas e externas,conforme analisamos em nossa coluna Honduras:o contexto do golpe , publicada dia 7 de agosto. Fora do contextoa informação pode ser considerada proselitismo e, portanto,incompatível com os objetivos e princípios do jornalismo que aagência pública tem a missão de praticar.Até a próxima semana.