Representantes de ONGs defendem mudança do olhar do Estado sobre favelas

03/11/2009 - 19h48

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - As estatísticas apontam que um em cada quatro cariocas mora numa das 1.020 favelas espalhadas pela capital fluminense.Um contingente aproximado de 1,5 milhão de pessoas vive em condiçõesmais difíceis que as demais e sofre preconceito e discriminação, alémde ameaças do tráfico de drogas e das milícias ou está sob a vigilânciadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).Ascaracterísticas diversas ajudam a compreender por que as opiniões sãoopostas quando se fala de comemorar o Dia Nacional da Favela, 4 de novembro.Foi nessa data, em 1900, que um delegado enviou mensagem ao chefe daPolícia, Enéas Galvão, sugerindo ações na favela do Morro daProvidência, surgida três anos antes e tida como a mais antiga doBrasil.O documento, primeiro a abordar a questão em caráter oficial,imprimiu o tom da abordagem remanescente mais de um século depois. Odelegado recomenda uma “limpeza”, tratando tanto a área geográficaquanto a comunidade nela instalada como “problema social, sanitário,policial, e até mesmo moral”.“Quando se fala em favela, as‘soluções’ são sempre muro, remoção ou ocupação policial”, afirmao coordenador da organização não governamental (ONG) Observatório de Favelas. “O murotem dois lados, isola para fora e para dentro. A remoção não temacompanhamento adequado. E a ocupação com UPP é a troca da ditadura dotráfico pela ditadura da polícia”, resume.Tião Santos, da VivaRio, uma das mais antigas e atuantes organizações sociais na cidade,defende a comemoração da resistência, neste 4 de novembro:“Apesar da ausência do Estado e da violência, a favela está aí,crescendo”, diz ele, que supervisiona vários projetos como o quebeneficia 500 jovens no Complexo da Maré e outro para mil, em São Gonçalo.Osdois representantes de ONGs concordam que é preciso mudar o olhar doEstado sobre a favela. Francisco Marcelo é curto: “Favela é cidade.”Tião Santos se alonga mais: “Resistir é preciso, mas avançar tambémé preciso. As comunidades têm que conquistar os direitos básicos dacidadania, escola, moradia, inserção.”Na outra ponta dahistória, o secretário de Habitação do município, Jorge Bittar, reconheceque, quando o assunto é favela, é preciso refletir sobre os erros demuitas décadas passadas, “em que a população pobre não tinha qualqueracesso à casa própria e se instalava onde era possível”. O secretário reafirma, porém, apresença do Estado: “Hoje a realidade é outra. Temos o programaMinha Casa, Minha Vida, que abre crédito para quem ganha até três salários mínimos comprar sua casa. É a primeira vez que se fazalguma coisa em benefício dessa parcela da população, que corresponde a90% do deficit habitacional brasileiro”, explica.Bittar cita ascomunidades de Manguinhos, Nova Brasília, Joaquim Queiroz, Turano,Borel e Formiga como beneficiadas por ações já em desenvolvimento, eanuncia a renovação do contrato com o Banco Mundial para prosseguir asobras do programa Favela-Bairro, criado e abandonado em gestõesanteriores.Vítima ele próprio de uma das políticas de governoque considera erradas, Francisco Marcelo espera que os planos e açõesoficiais tragam de fato melhores dias para os favelados do Rio de Janeiro. Nocomeço dos anos 80, ele foi removido da Baixa do Sapateiro para a recém-inaugurada Vila do João, ambas no Complexo da Maré, durante o governo João Figueiredo, o último da ditadura (1964-1985). “Minhamãe chorou quando abriu a torneira e saiu água, mas saímos da palafitapara o apartamento, só isso. O tráfico também mudou, a violênciatambém”, lembra Marcelo.Para ele, a cidade deve aprendercom a favela, em vez de tratá-la com preconceito. Como exemplo, ele cita arelação dos moradores da Favela do Batan, na zona oeste, que tinhamacesso à tevê por assinatura por meio de “gatos”, logo regularizadospela prestadora do serviço, com prestações de R$ 30: “Enquantoisso, o pessoal no asfalto paga mais de R$ 100. Já ouvi dizer quetem até tevê pré-paga”, comenta, com humor, mas logo retoma a seriedadee diz que a integração entre o morro e o asfalto é uma política delongo prazo.Por sua vez, a organização Viva Rio, de Tião Santos, tocaprojetos nas favelas, com parcerias institucionais que ele consideraessenciais, como as ações com o Programa Nacional de Segurança Públicacom Cidadania (Pronasci) e as obras do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC). “O Estado precisa olhar para as favelas comum olhar mais generoso, mais carinhoso. Só assim vamos atingir umarealidade melhor e mais humana, para todos.”