A informação sobre os direitos do cidadão

30/10/2009 - 10h28

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - A cidadania estábaseada no exercício dos direitos e deveres do cidadão e do Estado.Nossa Constituição estabelece os princípios e as regras para oconvívio entre os cidadãos, entre estes e o Estado e os Poderes queo constituem. Mas fazer respeitar e cumprir o que está na CartaMagna requer conhecimento do que está ali escrito e porque foiescrito. Para isso é necessária a informação. Informação édireito e dever da imprensa - reza na Constituição. É com essa compreensãoque entendemos o que o leitor Paulo Roberto Henrique dos Santosescreveu para esta Ouvidoria que existe também em função deatender ao direito do cidadão à informação prestada pela AgênciaBrasil aos leitores. Paulo pede que sejam feitas matérias sobreo atendimento pelo Estado do seu direito a serviços bancários dequalidade por meio de um banco público, mais especificamente, pelaCaixa Econômica Federal - CEF. Diz o leitor em sua mensagem: “A reclamação é contra CaixaEconômica Federal. Gostaria de que fizessem reportagens sobre a máadministração desse banco público. No mês de setembro, tiveproblemas na Agencia Ituverava-SP com a cobrança indevida detarifas. Ao tentar ligar para os telefones de reclamação e daouvidoria - nenhum funcionava. Se toda empresa tem que ter essestelefones funcionando, esse banco federal não cumpre a Lei. Ontem,fui usar o site para conferir o resultado das Loterias - também nãoestava funcionando. O pior, que os responsáveis por ouvir oureceber reclamações fingem que está tudo em ordem, deixam comoestá. O descaso e o retrocesso ocorrem por falta de punição. Se aimprensa falada e escrita fizesse reportagens nas primeiras páginas,logicamente ocorreria um desgaste da imagem da instituição e dadiretoria. É preciso uma maior atuação da mídia em nosso paíscontra os abusos e desrespeitos principalmente por parte defuncionários públicos e suas autarquias. As aberrações cometidaspelos bancos, principalmente os públicos, cobrando tarifas até deaposentados e pensionistas, deveriam ser denunciadas no exterior, porentidades de Direitos Humanos internacionais, para que o presidenteLula sentisse na pele as falhas do atual governo que se aliou aosbancos privados, em vez de fiscaliza-los. As cobranças vergonhosasde dezenas de tarifas, com aumentos constantes, podem ser chamadas de'roubo' legalizado contra os correntistas, patrocinando os lucros dacasa dos bilhões desses bancos. Gostaria muito que entrevistassem apresidente da Caixa para cobrar dela uma posição.”Sobre a demanda, aAgência Brasil respondeu: “Agradecemos o comentário doleitor e vamos avaliar a sugestão para reportagem”.Quando o leitor cita que o atual governo “se aliou aos BancosPrivados, em vez de fiscaliza-los” ele se refere às relaçõesentre o Estado brasileiro e as instituições financeiras que desdeos últimos anos do século passado se caracterizam pela afronta aosdireitos do cidadão. Tais relações e seus transbordamentos sobre amídia estão no artigo A linguagem da sedução,publicado na Revista do Brasil (*), edição de agosto, pelojornalista Bernardo Kucinski. Nele são descritas as estratégiasutilizadas pelo sistema financeiro para capturar a mídia - como osbancos conquistaram o jornalismo brasileiro implantando asprivatizações e forjando o que o jornalista classifica de “umasólida aliança conservadora”. O jornalista, em seuartigo baseado em um levantamento inédito de 14 anos de reportagenssobre economia (entre 1989 e 2002), feito por uma pesquisadora daEscola de Comunicações e Artes da USP, diz: “Um dos maissurpreendentes achados da pesquisa foi que o Estado brasileirotornou-se naquele período o principal indutor e difusor daspropostas neoliberais. O governo predominou como fonte de reportagensem todo o período abordado. Vinha também do maior número de fontesem “off”, não identificadas. Não só os principais dirigentesdo Banco Central no período vinham diretamente do mercado financeirocomo o processo gerador de políticas públicas e do discurso degoverno era por eles inspirado e dirigido. 'O governo assumiu osinteresses e a agenda do mercado financeiro, tornando-se praticamenteo porta-voz dos bancos', diz autora da pesquisa.”Dessa sólida aliança,que perdura até hoje, herdamos a privatização dos bancos públicos,não de sua composição acionária propriamente dita, mas da lógicade seu funcionamento, regido na prática pelas chamadas “leis domercado”, ou seja, a priorização dos lucros em detrimento de tudoo mais, inclusive da função e da responsabilidade social quejustificaram sua criação e sua existência como executores depolíticas públicas e de prestadores de serviços bancários.Daí decorrem asprincipais “ aberrações cometidas pelos bancos, principalmenteos Públicos, cobrando tarifas até de aposentados e pensionistas”e “cobranças vergonhosas de dezenas de tarifas, com aumentosconstantes, podem ser chamadas de 'roubo' legalizado contra oscorrentistas, patrocinando os lucros da casa dos bilhões de reaisdesses bancos.”, citadas pelo leitor.Ao cobrar da mídia umamaior atenção sobre o assunto e sugerir que a ABr ouça apresidente da CEF, Paulo Henrique pediu que “fizessemreportagens sobre a má administração desse banco público “.Informar, divulgar e discutir os direitos dos cidadãos é um dosprincipais papéis que se espera da imprensa. Se o indivíduo nãosabe que tem direitos ele fica sempre esperando que o Estado seja“bonzinho” e atenda suas necessidades em termos de serviçospúblicos. Se ele é sabedor de seus direitos ele vai cobrar doEstado para que cumpra com suas responsabilidades. Jamais ficaráesperando favores. Na questão dosdireitos a serviços bancários, a ABr pode ter perdido umaexcelente oportunidade de discuti-los à luz dos acontecimentos daultima greve dos bancários. Na recente cobertura a abordagemlimitou-se a ouvir opiniões de sindicalistas de um lado e degestores de outro, como se o que estivesse em confronto fossem apenasas reivindicações de uma categoria de funcionários públicoscontra os interesses de seu patrão – o governo, sem contextualizaressas reivindicações a partir do processo que levou a atualsituação dessa categoria. Enquanto o setor financeiro multiplicouvárias vezes seus lucros, reduziu o pessoal empregado em mais de50%.Foram publicadas 47 matérias com 43 fontes: 38(88% do total) eram representantes de entidades sindicais dosbancários. As demais fontes foram : a Febraban 3 vezes (7% do total)e o deputado federal Geraldo Magela (PT-DF), citado 2 vezes (5%).Como Paulo Henrique, 28 milhões de correntistasda CEF estiveram durante os últimos 28 dias a mercê dofuncionamento emergencial de uma instituição que é muito mais doque um banco. Além dos correntistas, a instituição atende abeneficiários de programas sociais, trabalhadores, jovens, idosos edesempregados. Nenhum deles foi ouvido pela ABr. Ou seja, umaparcela significativa da população brasileira não foi convidadapara participar do debate e expressar sua indignação contra aparalisação do Estado em atender a seus direitos fundamentais, comoveremos a seguir. Além de banco, aCAIXA é também o principal agente de crédito para a aquisição dacasa própria e um dos principais financiadores do desenvolvimentourbano, particularmente na área de saneamento básico. É o operadordo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, o que significa serresponsável pela centralização das contas, administração dosrecursos e arrecadação e pagamento dos valores devidos a todos ostrabalhadores formais do país. É ainda a instituição que cuidados repasses do Seguro-Desemprego, dos benefícios sociais e dosprogramas federais de transferência de renda. Administra as LoteriasFederais, cujos recursos, além de premiar apostadores, contribuempara a execução de ações oficiais e não governamentais deinclusão social. Como parte de sua missão, ela auxilia na execuçãoda política de crédito do governo federal, conforme consta doBalanço Social da empresa de 2007 (**). Não sabemos o quantoessas funções foram prejudicadas em função da greve, tampoucoquais direitos foram afetados nem como, mas sabemos que a atualdiretoria demorou 28 dias para negociar uma solução para oconflito. Toda greve pode e deve ser evitada e geralmente é o ultimorecurso do qual os trabalhadores lançam mão – quando não hámais perspectivas de chegarem a um acordo. A greve, comoinstrumento legítimo de luta de uma categoria por melhores condiçõesde trabalho e renda, foi coberta pela ABr apenas por meio denúmeros: agências paradas, funcionários presentes em assembléiase manifestações, além dos percentuais, valores e benefíciosnegociados. Em nenhum momento se discutiu, por exemplo, por que ascondições de trabalho no setor se tornaram tão precárias chegandoao ponto dos trabalhadores terem entre suas reivindicações anecessidade de contratação de milhares de novos funcionários, ouainda, a questão do assédio moral que sofrem para cumprirem metasde venda de produtos, como se a instituição fosse um grandesupermercado, citado pelos sindicalistas. Organizada sob forma deempresa pública, a CEF integra o Sistema Financeiro Nacional, vinculada ao Ministérioda Fazenda, está sujeita às suas decisões e à sua disciplinanormativa. É também objeto de acompanhamento e fiscalização doBanco Central do Brasil. Estes organismos superiores de decisãotambém não foram ouvidos nas matérias da ABr,apesar de serem os principais responsáveis pela manutenção dalógica que prioriza os lucros.A CEF é hoje um dosmaiores empregadores do Brasil, com mais 100 mil colaboradores. Aofinal de 2007, a empresa contava com 74.949 empregados concursados,11.873 estagiários, 10.456 prestadores de serviços e 3.638adolescentes aprendizes. A rede de atendimento contava com 22.628unidades físicas em todo o país entre agências, postos deatendimento, correspondentes lotéricos, correspondentes bancários esalas de auto-atendimento, presentes em 5564 municípios. Aparalisação de uma instituição deste porte pode ter prejudicadoseriamente as funções do Estado brasileiro. Cerca de R$140 bilhõesdos recursos do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, dogoverno federal, passam por suas contas. O quanto foi comprometido equais os custos sociais e financeiros advindos dessa paralisaçãonão sabemos, pois a imprensa não se preocupou em levantá-los –mas os cidadãos já pagaram individualmente e continuaram pagandocoletivamente essa conta, seja lá de que montante for. O que os leitores esperam, aexemplo de Paulo Henrique, é ver tudo isso sendo debatido na esferapública, ou seja, que a ABr cumpra com sua função e paraisso é preciso saber onde está o interesse público nos fatosreportados, condição fundamental para qualificar o debate.

Até a próxima semana.(*) ler em:http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/38/a-linguagem-da-seducao/view(**) disponível em:http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/caixa/balanco_social/BALANCO_SOCIAL_2007.PDF