A cobertura das políticas públicas

23/10/2009 - 10h13

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - O leitor Lucio Bottos invocou o poder de fiscalização da imprensa sobre os Poderes daRepública ao tratar das políticas públicas. A ideia de que aimprensa constitui o "quarto poder" do Estado de Direito nasceu em1828, quando o inglês Lord Macaulay criou a expressão. Segundo ele, a imprensa devia ser uma aliada dos cidadãos para promover adefesa dos seus direitos, para protegê-los de eventuais abusos doExecutivo, do Legislativo ou do Judiciário. Para alguns essa noçãode poder, atribuída à imprensa, é uma usurpação do que diz nossaConstituição na qual “todo poder emana do povo" e essa preocupaçãose justifica sob o argumento de que os governantes foram eleitos, osjornalistas não. Mas o próprio lord inglês complementava: “ojornalismo deve ser uma voz dos cidadãos na expressão dassuas preocupações, da sua ira, e, se for preciso, da sua revolta.Lucio escreveu: “Bom dia. Vocês continuaram com o seguimento danotícia 'Projetos para urbanização de favelas do Rioserão apresentados até o fim do mês, diz governador',publicada dia 21 de agosto de 2007? O Brasil só vai melhorar sevocês, (o quarto poder) cobrarem dos outros três Poderes suaresponsabilidade social. Vocês podem ajudar um Brasil que estaprecisando de muita ajuda.”A “ajuda”solicitada pelo leitor à Agência Brasil integra a missão daEBC de formar e informar. Está entre seus objetivos “fomentar a construçãoda cidadania, a consolidação da democracia e a participação nasociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressãodo pensamento, à criação e à comunicação” (Par. III. - Art.3o. da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008).Quanto à continuaçãoda cobertura do assunto, tratado na referida matéria, ela nãoocorreu. Não sabemos se houve a apresentação dos projetos prometidos pelogovernador pois a ABr não noticiou, mas oassunto “urbanização das favelas” tem sido alvo de coberturapermanente. No que se refere à qualidade da mesma para  “cobrarem dos outros três poderes sua responsabilidadesocial” - essa é uma função que o jornalismo sempreteve dificuldades de exercer, apesar de ser uma das principaisrazões de sua existência. É pratica comumautoridades reunirem a imprensa para anunciar solenemente aassinatura de atos dizendo o que vão fazer, o quanto vai custar equem vai se beneficiar. A imprensa cobre a solenidade e, cumprindosua função de informar, divulga aquilo que, num primeiro momento,são só intenções. Depois geralmente se esquece do assunto. Para opúblico fica a impressão de que o problema a partir daí estarásendo resolvido e de que tudo o que foi prometido será realizado. Opúblico espera também que, se isso não ocorrer, a mesma imprensavoltará ao tema e dirá que a autoridade não cumpriu o prometido.Pelo menos essa é a expectativa, que nem sempre se confirma, pois aimprensa tem enorme dificuldade para fiscalizar.Para tanto, faz-senecessária a visão e o acompanhamento sistemático dos processoshistóricos em curso na sociedade. São necessárias tambémestatísticas confiáveis sobre a execução das políticas, sobreo cumprimento de metas e prazos e o impacto na vida do cidadão quedelas eventualmente se beneficiou. Ou seja, a transparência e aconsequente facilidade de acesso às informações são condiçõesfundamentais para que a imprensa e a sociedade conheçam e discutamas ações do poder público. Outro aspecto importante é saber se osresultados correspondem aos objetivos almejados e isso só épossível com a verificação dos efeitos na realidade na qual a política pública interferiu.Esse é um trabalho querequer uma persistência que o jornalismo dificilmente apresenta,quer seja por viver sob a pressão permanente da busca peloinédito, pelo surpreendente ou espetacular, quer sejaporque os jornalistas dificilmente são preparados ou estimulados para taltarefa. Por exemplo: é mais fácil e mais barato para o veículo decomunicação produzir dez matérias noticiando que a polícia invadiua favela do que fazer apenas uma em que discuta a política públicade segurança e o direito à vida e ao bem estar na mesma favela. O trabalho defiscalização pressupõe também um aprofundamento nas questões quea superficialidade, característica do jornalismo de impacto, impede que ocorra. Talvez porisso a imprensa prefira, por exemplo, noticiar um escândalo dedesvio de dinheiro público destinado à construção de casaspopulares depois que ele já ocorreu do que acompanhar passo apasso a execução da política habitacional, exercendoconcomitantemente seu papel de fiscalização e de informação e,possivelmente, evitando que o dinheiro seja desviado.Esse comportamento daimprensa criou uma lacuna na fiscalização das ações dos Poderespossibilitando o surgimento de novos atores na sociedade paradesempenhar esse papel. Nas ultimas décadas temos assistido àproliferação de agências noticiosas especializadas, geralmenteligadas às organizações do terceiro setor, que informam sobreestudos e relatórios periódicos de avaliação das políticaspúblicas, dos quais o jornalismo convencional prefere se abastecer esimplesmente reproduzir ou repercutir. Outra forma de preencher essalacuna na fiscalização é valer-se das investigações e diagnósticos dostribunais de Contas, organismos de controle interno, MinistérioPúblico e organizações internacionais, bem como os inquéritos daPolicia Federal, entre outros.Muitos argumentam que aquantidade e a complexidade de temas e de interesses, inerentes àsociedade pós-moderna, impedem que o jornalismo abarque todas asquestões e nelas se aprofunde. O Plano Plurianual de Desenvolvimento– o PPA 2008-2011, por exemplo, reúne mais de 300 programas que sedesdobram em mais de 5 mil ações. Cada uma com orçamento,metas e objetivos, reavaliados a cada ano. Dificilmente as empresasprivadas de comunicação, dentro do atual modelo de negócios que assustentam, teriam recursos suficientes para cobrir e fiscalizar oandamento de cada um deles. Assim, escolhem agir seletivamente,preferindo só noticiar quando a ação do governo vai mal ou nãoatinge seus objetivos, ou ainda quando envolve algum tipo deescândalo, mas dificilmente informam sobre o seu sucesso. Tal comportamento daimprensa acaba criando a falsa ilusão de que, se a ação do governo não éobjeto de notícia, a politica públicanaquele setor vai bem, o que nem sempre corresponde à verdade.Portanto, ao não informar a imprensatambém está dando uma informação, que pode comprometer inclusive a credibilidade de sua função de informar - outra razão de suaexistência.Mas a empresa públicade comunicação, mantida com dinheiro do contribuinte, pode exercerambos os papéis, indo ao encontro da essência do jornalismo. Estaráassim atendendo a uma das necessidades fundamentais do cidadão:saber onde e como o dinheiro de seus impostos é aplicado. Esse tipode informação constrói a cidadania, dá transparência as açõesdo governo e consolida a democracia, ou seja, “pode ajudar umBrasil que esta precisando de muita ajuda”, na opinião doleitor que nos escreveu.Até a próxima semana