Entrada da Venezuela no Mercosul pode alavancar bloco e fortalecer relações multilaterais

18/10/2009 - 11h35

Lísia Gusmão e Renata Giraldi
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Terceira economia da América do Sul e com um Produto Interno Bruto(PIB) de US$ 320 bilhões em 2008, a Venezuela não salvará o Mercosul,abatido pela queda nas trocas comerciais entre os países-membros emdecorrência da crise econômica global. Mas seu ingresso no bloco poderá ampliar a capacidade de influência dos países vizinhos no destinopolítico da Venezuela e nas relações multilaterais com governos, como odos Estados Unidos. Consolidada no Cone Sul, a entrada daVenezuela estenderia o bloco para o norte da América do Sul, podendoalcançar a região caribenha, argumenta à Agência Brasil o assessorespecial da Presidência da República para Assuntos Internacionais,Marco Aurélio Garcia. Para Garcia, a crise econômica mundial éa principal responsável pela queda no intercâmbio comercial entre ospaíses do bloco. Entretanto, ele ressalta que as exportações brasileiras para aVenezuela somam US$ 2,5 bilhões em 2009, com um saldo comercialsuperior a US$ 2,1 bilhões. "E, em termos políticos, a incorporação daVenezuela ao Mercosul fortaleceria a democracia naquele país", afirmou.Enviado em fevereiro de2007 pelo Executivo, o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosulainda não teve sua aprovação concluída pelo Congresso brasileiro – háoito meses tramita no Senado entre discussões e pedidos de vista.Entraves de natureza técnica e política ameaçam sua aprovação. A Argentinae o Uruguai já autorizaram a Venezuela a se tornar membro do bloco. NoParaguai, por não contar com maioria absoluta no Senado, o presidenteFernando Lugo retirou o pedido. De acordo com negociadores paraguaios,o processo só será solucionado em 2010, depois que for definida adecisão brasileira. Com isso seriam minadas as resistências dossenadores paraguaios.   As resistências à adesão do paísvizinho recaem sobre a controversa figura do presidente da Venezuela,Hugo Chávez. “Às vezes pensam que apenas as democracias válidas são asde direita, não as de esquerda. Isso é um preconceito”, disse à AgênciaBrasil o embaixador da Venezuela no Brasil, Júlio Montoya. “Apesar detudo estou muito otimista. Acredito que as visões estratégica,geopolítica e geoeconômica devem se sobrepor.”Segundo odiplomata, a Venezuela e o que representa o presidente Chávez “pagam opreço” do vanguardismo político social. “A Venezuela está pagando opreço de ser pioneira em políticas sociais com caráter dereforma”, disse ele, lembrando que hoje a balança comercial entre Brasile Venezuela é favorável aos brasileiros em cerca de US$ 5 milhões desuperavit. A “performance” do governo Chávez geradesconfianças também na indústria brasileira. Além dos entravestécnicos, como a falta de informações sobre a execução do cronograma deadesão às regras do Mercosul, que incluem a adoção da Tarifa ExternaComum (TEC), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) teme que omodelo econômico “intervencionista” adotado pela Venezuela prejudique oambiente de negócios. A consultora da CNI Lúcia Maduro disseque a América do Sul caminha para uma polarização entre a economia demercado e o modelo intervencionista. “O impacto das decisões políticasno ambiente de negócios preocupa”, afirma. “O resultado comercial com aVenezuela é bom. Se já é um sucesso, será que é necessária aparticipação no Mercosul?”, questiona.Outro receio da indústriaé que a presença da Venezuela no Mercosul inviabilize as negociações com a União Europeia para um acordo de livre comércio. SegundoMarcelo Coutinho, professor de Relações Internacionais da Universidadede Brasília (UnB), a participação venezuelana no Mercosul fortaleceriao PIB do bloco e amenizaria a perda de espaço para os produtos chinesesna América do Sul, mas, sobretudo, reforçaria os laços com os países daregião. O isolamento, ao contrário, causaria o recrudescimento dogoverno de Hugo Chávez. “Uma vez dentro do Mercosul, temos maiscondições de controlar o que se passa na Venezuela. Um instrumentoseria a cláusula democrática do Mercosul. Aproximar, em vez de isolar,gera resultados mais positivos no longo prazo do que negar a adesão. Aofazer parte de uma comunidade, o país-membro tem que responder àsregras desta comunidade, estar aberto ao diálogo com esta comunidade.Quando você isola, exclui, nega, só oferece a este país uma únicasaída, o recrudescimento de seu regime. A história mostra isso”,explica Coutinho, que coordena o Observatório Político Sul-Americano doInstituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).Comoexemplo, ele recorre à expulsão de Cuba da Organização dos EstadosAmericanos (OEA) em 1962 por seus laços com a União Soviética. “Aexpulsão de Cuba da OEA só serviu para o recrudescimento do regimecubano e para sua aproximação com o bloco socialista. Imaginava-se quea expulsão traria juízo a Cuba. Ao contrário, levou ao recrudescimentodaquele regime. Isolar internacionalmente, em geral, produz efeitosnegativos”, afirma. No entanto, Coutinho adverte que a adesãoda Venezuela no Mercosul não significará uma reversão do quadro decrise. “A adesão deve ser acompanhada de uma política industrial comum,da integração das cadeias produtivas, maior coordenaçãomacroeconômica”, disse. Segundo ele, o Mercosul tem sidomenos relevante na definição dos fluxos comerciais. Em 1998, o Brasilera o maior parceiro comercial da Argentina, posto perdido para a China. “Osdados comerciais atestam a vulnerabilidade do Mercosul. O bloco viveuma estagnação relativa. O comércio intrabloco cresceu, mas num ritmomenor do que na década de 90. E um ritmo, se não semelhante, inferiorao que cresce nosso comércio com o resto do mundo”, diz Coutinho. “OMercosul precisa demonstrar força e coesão, ele se apresentou maisvulnerável e mais fraco.”