Expansão das operações no cartão de crédito aumenta inadimplência da pessoa física

28/09/2009 - 19h25

Stênio Ribeiro e Kelly Oliveira
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - A taxa média cobrada pelas administradoras de cartões de crédito chegou a 237,93% ao ano no mês de julho,constituindo-se nos juros mais altos do mercado, de acordo comlevantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças,Administração e Contabilidade (Anefac).Apesar disso, temcrescido ininterruptamente o volume de operações com uso do cartão decrédito. Essas operações representam, hoje, cerca de 25% de todas asmovimentações creditícias do mercado. Somaram nada menos que R$ 14,566bilhões no mês de julho, de acordo com números do Banco Central. Os dados referentes a agosto serão divulgados amanhã (29).Houve aumento de 15,4% nas operações com dinheiro de papel em relação a junho,enquanto outras modalidades de crédito com juros menores foram menosprocuradas. Casos do cheque especial, com juros anuais de 167,3%naquele mês, operação que recuou 1% no volume total, ou do créditopessoal, com juros de 44,8%, com recuo de 0,2%. O BC mostratambém que o saldo acumulado das dívidas de pessoas físicas, feitas comcartão de crédito, somava R$ 26,491 bilhões em 31 de julho. Do total, R$ 9,36 bilhões (28,3%) eram dívidas vencidas há mais de 90 dias, o que tecnicamente é considerado inadimplência.Nesseponto, os comerciantes começam a se inquietar com a “perda no nível dequalidade do endividamento das famílias”, segundo o economista daFederação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), AltamiroCarvalho.Ele acredita que o aumento da inadimplência estádiretamente relacionado ao aumento dos prazos para pagamento dasfaturas do cartão de crédito. O prazo, historicamente, sempre foi de 30 dias,mas, na média dos primeiros sete meses deste ano, passou para 53dias, com expansão para 62 dias nos meses de junho e julho.Essadilatação abrupta do prazo de financiamento pode ser determinante,segundo ele, para o aumento da inadimplência. Mas não é só a questão deprazo maior, como diz o economista Pedro Vartanian, da Trevisan Escolade Negócios.Vartanian assegura que o crescimento das operaçõescom cartão de crédito decorre do aumento no número de estabelecimentosque aceitam essa modalidade de pagamento, além da comodidade e da segurançanas operações. Ele lembrou também que o custo da anuidade do cartão temcaído e alguns clientes são, inclusive, liberados desse ônus.Oconsultor da Trevisan diz que a taxa de juros é realmente alta,comparada a outras modalidades, mas ressalta que “quem utiliza o cartãoe quita a fatura no prazo não paga juros. Por esse motivo, o aumentodas operações com cartão não sofre o impacto direto da taxa de juros”.Jáo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) MárioRubens diverge dessa visão. Ele diz que o cartão de crédito éutilizado pelas classes menos favorecidas como complementação de renda,em grande parte indiferentes ao comportamento das taxas de juros emais atentas ao tamanho do crédito rotativo.Rubens achaque a expansão da inadimplência é também efeito da crise financeiramundial e do desemprego. Ele acredita,porém, que, em decorrência dos sinais de recuperação econômica, “esseproblema deve ser transitório” e lembra que os dados de julho sobre créditos com recursos livres trouxeram redução na taxa geral de inadimplência para pessoas físicas.Enquantoisso, o presidente do Instituto DiSOP de Educação Financeira, ReinaldoDomingos, considera que a redução do Imposto sobre ProdutosIndustrializados (IPI) nas compras de eletrodomésticos, material deconstrução e automóveis também teve efeito substancial no aumento dasoperações com cartão de crédito.Segundo ele, a redução de IPIteve mais impacto do que o apelo do presidente Luiz Inácio Lula daSilva, feito no final do ano passado, pedindo para o povo comprar e garantiro consumo doméstico,de modo a ajudar o país a enfrentar a crise financeira externa, que sealastrou sobre a economia real brasileira a partir de outubro do ano passado.Domingos entende que o consumidor viu na redução do IPI oconsequente barateamento dos produtos que desejava e uma “oportunidadeúnica de adquirir esses bens”. Como a redução era por tempo limitado,em vez de poupar para comprar à vista, muitos consumidores fizeramcompras parceladas no cartão.ReinaldoDomingos considera positivo o uso do cartão, mas manifesta preocupaçãoquanto às “taxas exorbitantes de juros”, que fazem com que o consumidorque não consiga pagar o total das dívidas mensais “caminhe rapidamentepara a inadimplência, cuja volta é muito complicada”.O problemamaior, afirma, não está apenas no fato de parcelar as dívidas e, sim, nafalta de educação financeira da população. Isso faz com que aspessoas não incluam, muitas vezes, os valores das parcelas das comprasno cartão em seu orçamento, segundo o professor.Ele ressalta que “se medidasreferentes à educação financeira não forem adotadas rapidamente, temoque, num futuro próximo, tenhamos uma situação crítica no país, commilhões de endividados e sem condição de sair dessa situação”.