Nova lei de estupro e pedofilia dá margem a penas desproporcionais, diz procuradora

30/08/2009 - 12h23

Marco Antonio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Quem cometeu crimessexuais graves poderá ter a pena diminuída e aqueles que cometeramdelitos de menor potencial podem ter a punição agravada. Aconstatação é da procuradora de Justiça em São Paulo Luiza NagibEluf, após uma leitura atenta de artigos da Lei 12.015, que passou avaler a partir de 7 de agosto deste ano e promoveu alterações noCódigo Penal e na Lei de Crimes Hediondos com o objetivo de tornarmais severas as punições aos crimes de estupro e pedofilia.Oscrimes antes considerados atentado violento ao pudor, enquadrados noArtigo 214 do Código Penal, agora serão contemplados no Artigo 213,referente ao estupro. Com isso, estupro e atentado violento ao pudor,que eram dois crimes autônomos com penas somadas, devem resultar naaplicação de uma única pena.“Realmente corremos o riscode as penas serem menores. Antigamente aplicávamos concurso materialde delitos. Quem praticou [deforma forçada]sexo vaginal [queera estupro]e depois oral [queera atentado violento ao pudor]podia receber seis anos por causa de cada delito. Sempre pedicondenação pelos dois delitos com penas somadas. Agora elespassaram a ser a mesma coisa”, afirma Luiza, especialistaem direito penal e autorade diversas publicações sobre crimes sexuais.Segundo aprocuradora, a nova lei também peca ao não corrigir a amplaabrangência do atentado violento ao pudor. O Artigo 213 faz mençãoa “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a terconjunção carnal “ ou a praticar “outro ato libidinoso”. Aspenas previstas são reclusão de seis a dez anos; de oito a 12 anosse a vítima tiver idade entre 14 e 18 anos; e de 12 a 30 anos se ocrime resultar em morte.“Outro ato libidinoso pode ser umbeijo e aí não dá para aplicar seis anos de prisão a quem beijouuma pessoa à força. Isso não pode ser tão grave quanto aconjunção carnal e outros tipos de violação”, argumenta.“[Alei]tinha que ter detalhado melhor o que são esse atos libidinosos.Quando fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direitopenal tem que ser muito preciso e claro. Relação oral ou analforçada é sim comparável ao estupro, mas outros atos já nãosão”, acrescenta.Luiza também considera equivocada aproibição instituída no Artigo 217 pela lei, que criminalizaqualquer prática sexual com menor de 14 anos ou pessoas comdeficiência mental, definindo-as como estupro de vulnerável. Aprocuradora lembrou que hoje muitas meninas de 13 anos já têmnamorado e mantêm relações sexuais regulares e consentidas. “Seriamais razoável definir que até os 12 anos, período da infânciadefinido no Estatuto da Criança e do Adolescente, a relação sexualseria sempre considerada violência”, opina a procuradora, aoressaltar a pena de oito anos de reclusão prevista para o estupro devulnerável.Em relação às pessoas com deficiênciamental, a procuradora avalia que a lei teria partido de um pressuposto errôneode que elas não possuem desejo sexual e, na prática, declarou-asimpedidas de ter relação sexual.Para ela, asbrechas deixadas pela nova legislação para análises subjetivasexigirão maior prudência dos operadores do direito penal naavaliação dos casos. “A lei é taxativa, mas a interpretaçãoterá que se razoável, seguir o bom-senso na sua aplicação.Infelizmente essa nova lei perdeu a oportunidade de solucionarantigas controvérsias jurisprudenciais”, ressaltou.Aunificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor vaina contramão de uma decisão tomada em 18 de junho deste ano peloSupremo Tribunal Federal (STF), quando os ministros da Cortedecidiram por seis votos a quatro que atentado violento ao pudor eestupro não são crimes continuados. Pela manifestação do STF,quem praticar os dois crimes deve ter as penas somadas, já que osdelitos, embora ambos sejam crimes sexuais, não são da mesmaespécie.Paraa ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para asMulheres (SPM), Nilcéa Freire, que diz ter opinado pela sançãointegral do projeto enviado pelo Congresso, a nova legislação é umavanço e aumenta o rigor punitivo. "Nós opinamos pelasanção dessas modificações que hoje constituem o novo CódigoPenal brasileiro. À medida que se amplia a visão do que significa ocrime sexual, ele não é mais somente a partir da questão física,mas também a própria intenção e subjugação do outro no sentidoda violência sexual é considerada crime", argumentou aministra.Sobre os riscos de criminosos se beneficiarem com asmudanças na legislação, Nilcéa ressaltou que as alteraçõesainda estão entrando em vigor e “isso não está efetivamentecomprovado."