Anistia ajudou na transição do regime militar mas gerou impunidade, diz jurista

28/08/2009 - 7h02

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Lei de Anistia foi condição para que houvesse a sucessão do regime militar. A avaliação é do jurista Fábio Konder Comparato, que assina a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Ordem dosAdvogados do Brasil (OAB) contra a interpretação de que a anistiaperdoou crimes como sequestro, tortura, assassinato e estupro,praticados contra presos políticos. "Os militares queriam sair do poder, mas eles queriam sair do poder tendo a garantia de que não seriam processados”, disse o jurista .O ministro da Defesa, Nelson Jobim, concorda com o jurista. “A anistia teve a importância de conseguir fazer a transição do regime militar para o regime civil”, disse Jobim, para quem a Lei da Anistia foi feita sob a “condição estabelecida à época para uma transição gradual e progressiva, que era a regra do jogo”. Para o ministro, a anistia “é uma lei que se esgotou. Ela já cumpriu a sua finalidade. O anistiado está anistiado. Se inventassem de revogar a Lei da Anistia, a revogação não teria efeito retroativo”, avalia Jobim, que é ex-constituinte e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em junho deste ano, em entrevista à Agência Brasil, o ministro disse que é contra a ideia de punir militares que tenham cometido atos de tortura durante o período de ditadura militar, o que considera “revanchismo”. A opinião do ministro da Defesa  tem sido criticada por parentes de pessoas que morreram durante a ditadura militar, por militantes perseguidos pelo regime e por defensores de direitos humanos. “A tese do revanchismo ou de retaliação não faz sentido”, rebate a cientista política Glenda Mezarobba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A crítica a Jobim é estendida a todo o governo que, por exemplo, no episódio do processo de apuração dos desparecidos na Guerrilha do Araguaia  - aberto em 1982 e sentenciado em junho de 2003 - apresentou, durante mais de quatro anos, vários recursos contra a decisão de primeira instância, que determinou a quebra de sigilo sobre as operações militares e a localização de restos mortais dos desaparecidos.

“O comportamento do governo federal nessa matéria está abaixo de toda a crítica”, reclama o jurista Fábio Konder Comparato. "O governo simplesmente não tomou nenhuma iniciativa no sentido da honestidade de propósitos. Pior do que isso, incentivou a Advocacia-Geral da União a contestar a ação movida pelo Conselho Federal da OAB”, disse Comparato.

Para a presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia de Almeida, a Lei da Anistia “tem falhas graves”, inclusive de interpretação que, na sua opinião, gera impunidade. Além disso, para ela, a lei teve um alcance menor do que desejavam setores políticos que se opunham ao regime militar. “Não foi a lei que nós queríamos. A lei que queríamos anistiava todos os chamados crimes políticos. Os presos políticos acabaram saindo da prisão por reformulação da Lei de Segurança Nacional”, observa.

À época da tramitação da Lei da Anistia, no Congresso Nacional, o senador Teotônio Vilela (MDB-AL), que presidiu a comissão mista que analisou o projeto de lei encaminhado pelo governo, visitou todos os presídios onde estavam confinadas as pessoas condenadas pela ditadura. No Presídio Lemos Brito, em Salvador, o senador recebeu uma carta dos presos na qual já se apontava “o caráter restritivo do projeto”,  recorda-se Haroldo Lima, hoje diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O ex-deputado Aldo Arantes (PCdoB - GO), preso político em São Paulo, lembra que “todo movimento defendia a anistia, ampla, geral e irrestrita”.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, anistiado em 1979, contemporiza o que chama de “questão jurídica”. A anistia foi concedida às pessoas que lutaram e foram perseguidas pela ditadura militar. "Fica essa controvérsia que ela também foi concedida aos torturadores. Essa não é a questão relevante. O que é relevante é que o país conheça a verdade e que as pessoas tenham direito a enterrar seus mortos, os desaparecidos políticos”, disse. 

Para ele, a ditadura não foi derrotada apenas porque foi substituída por um regime democrático. "O país, hoje, é um país democrático e não aceita mais conviver com a ditadura. As pessoas que torturaram estão nos porões da ditadura até hoje porque elas não conseguem defender, diante do país, o que fizeram. Esse assunto está resolvido histórica e politicamente, falta a questão jurídica”, disse Martins, ex-militante do  Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8).