Simpósio apresenta práticas de interrogatório que podem poupar crianças em processos judiciais

27/08/2009 - 20h18

Mariana Jungmann
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Estima-se que crianças e adolescentes que sofrem abusos sexuais precisem ser ouvidos de três a oito vezes pelas autoridades durante o processo judicial para o recolhimento de provas. Os profissionais que tomam os depoimentos são médicos, conselheiros tutelares, peritos do Instituto Médico Legal, promotores e juízes, além dos policiais em alguns casos. As formas de evitar o novo sofrimento trazido pelas lembranças da agressão são o tema do 1º Simpósio Internacional Culturas e Práticas Não Revitimizantes de Tomada de Depoimento de Crianças e Adolescentes, promovido em parceria pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e a organização Childhood Brasil. Participam do evento, até amanhã (28), especialistas no assunto de todo o mundo. O professor da Universidade Católica de Goiás, Benedito Rodrigues dos Santos, apresentou no evento a pesquisa Depoimento Sem Medo, sobre os métodos alternativos de inquirir crianças. De acordo com ele, foram mapeadas 28 iniciativas mundiais que se dividiam em dois tipos básicos de  tomada de depoimento – os dois utilizando uma pessoa capacitada para ouvir a criança. Na chamada Câmara Gesell, a criança conversa em geral com uma psicóloga numa sala toda espelhada, em que os investigadores ou promotores ditam as perguntas por meio de um ponto eletrônico e assistem às respostas sem serem vistos. A psicóloga, por sua vez, utiliza as melhores formas de fazer a pergunta, de modo a traumatizar menos a criança. O outro método é parecido, mas a sala não é de espelhos e sim equipada com circuito de televisão. Os investigadores assistem de outro ambiente e também enviam perguntas à pessoa que está com a criança, quase sempre uma mulher. “O circuito de televisão é mais barato, já que os espelhos são muito caros. Com eles, a criança também tem menos a sensação de estar sendo observada”, explica Santos. Depois, segundo ele, a entrevista é degravada e anexada ao processo, de modo a evitar que a criança precise ser ouvida inúmeras outras vezes por juízes, promotores, defensores públicos, conselho tutelar, entre outros. “Nós chamamos de revitimização porque, ao repetir o que houve, a criança revive a violência”, explica o pesquisador. A primeira dessas salas a ser montada no Brasil está em Porto Alegre. O juiz José Antônio Daltoé Cezar, responsável pela instalação da sala em 2003, explica que essa foi a forma que encontrou de fazer com que as vítimas fossem melhor acolhidas pelo sistema judicial. “Eu já acompanhei muitos depoimentos desses pelo sistema tradicional é horrível. Todo mundo sofre muito e, no fim, a qualidade das provas é péssima. Com isso, o resultado acaba sendo a absolvição”, conta. De acordo com Daltoé Cezar, um levantamento feito em 285 processos que utilizaram a sala com circuito de televisão de Porto Alegre mostrou que em 46% dos casos a sentença foi condenatória. Atualmente, também existem salas para interrogatório especial de crianças no Ceará, em Pernambuco, no Acre, em Goiás e no Rio Grande do Norte. Ainda segundo o juiz, a maior vantagem de evitar que a criança seja ouvida diversas vezes, é que os próprios profissionais envolvidos nas entrevistas, geralmente, não estão preparados para lidar com o assunto. “Essas pessoas, na maioria das vezes, acabam piorando a situação, passam suas angústias, suas revoltas, seu choque para a criança”, avalia. Nesse aspecto, o pesquisador Benedito Santos também concorda. “A sala é muito importante, mas mais importante é a capacitação dos profissionais. Nenhum conselheiro tutelar, defensor público ou promotor tem formação acadêmica para lidar com isso”, alega.