Apagar erros sem eliminar suas causas

21/08/2009 - 12h22

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - A AgênciaBrasil tem adotado um procedimento no mínimo estranho parauma agência de notícias. Recorrentemente ela tem apagadode suas matérias informações que sãoquestionadas pelos leitores como inverídicas ou carentes deuma melhor apuração. Em vez de explicar por que ainformação foi publicada e, eventualmente, corrigi-la, a ABr tem preferido simplesmente extirpar a informaçãopolêmica de suas matérias, isso depois de publicadas elidas, sabe-se lá por quantos leitores.Esse foi o caso, porexemplo, que motivou a leitora e coordenadora da Rede Virtual Cidadãpelo Banimento do Amianto na América Latina, a engenheiraFernanda Giannasi, a escrever para esta Ouvidoria.Referindo-se a matériaTemporão veda uso de tudo o que contenha amianto nasdependências do Ministério da Saúde,publicada dia 21 de julho, ela diz: “há um grandeequívoco ao citar que 'Estudos da FundaçãoGetulio Vargas mostram que não há nenhuma alternativade substituição do produto a curto prazo', jáque o mercado brasileiro dispõe de várias alternativaspara substituição dos produtos de amianto hápelo menos uma década, como é o caso das caixas d´águaplásticas, que praticamente substituíram os antigostanques insalubres de cimento-amianto. O parágrafo mencionadono artigo é totalmente fora do contexto da matéria, queversa sobre o importante anúncio feito pelo Ministro JoséGomes temporão da proibição do uso do amianto emtodos os órgãos ligados à sua pasta da Saúde.O parágrafo que trata do tal estudo da FundaçãoGetúlio Vargas, que foi patrocinado e solicitado pelaindústria do amianto, que tenta inviabilizar a substituiçãoda fibra cancerígena em nosso país, é, portanto,totalmente descabido.”Em resposta àmensagem da leitora a Agência Brasil eliminou o referidoparágrafo da matéria e disse: “corrigido!”.Será?Ao publicar umainformação como essa, dando conta de que foi feito umestudo que afirma não haver opções econômicas a umproduto cancerígeno sem ouvir as demais organizaçõesque tratam do assunto, a ABr prestou uma desinformaçãoao leitor, uma vez que tal estudo, financiado pelas empresasprodutoras de amianto, privilegia apenas o interesse daqueles quelucram com sua produção independentemente da ameaçaque se faz presente à saúde das pessoas e ao meioambiente. A matéria não cita, por exemplo, que o uso doamianto já foi condenado, dentre outras, pela OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS), pela Agência Internacionalde Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), pela OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), pela OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) e pelo Instituto Nacional de Saúdee Pesquisa Médica, o Inserm, da França. Além dacondenação pela nossa Fundação OswaldoCruz, a Fiocruz, no Rio de Janeiro. A matéria tambémnão informa que o produto foi banido de muitos países em que, após décadasde brigas judiciais entre vítimas e produtores, apoiados pelosrespectivos governos, tiveram de render-se às evidências dos danos causados à saúdede suas populações e de seus trabalhadores e proibir a produção e comercialização de produtos de amianto. Há de seperguntar então por que a ABr divulgou tal informação?Em outros veículos de comunicação, patrocinadosdireta ou indiretamente pelos por empresas produtoras de amianto, éaté compreensível, embora repudiável, aveiculação de notícias dando conta de “estudos”promovidos por esse tipo deindústria, mas na agência publica, patrocinada pelocontribuinte, como se justifica tal publicação? Saber a causa dessetipo de erro, é muito mais proveitoso para a comunicaçãopública do que simplesmente tirá-lo do ar. Ao procederdessa maneira, sem dar maiores explicações, a Agêncianão teria criado duas classes de leitores? Uns, que tiveram acesso àinformação, ficaram sabendo que existe um estudo, atribuído à FGV,dizendo que não existem alternativas econômicas ao usodo amianto, e, outros leitores, que não sabem da existênciadesse estudo?Mas qual seria ointeresse público que envolve essa questão? O direitodo cidadão à saúde e a um meio ambienteequilibrado ou o direito à saúde financeira de certasempresas? Um dos leitores quesoube desse estudo por intermédio da matéria da AgênciaBrasil, foi o dr. Hermano Albuquerque de Castro, coordenador doCentro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana daFiocruz, que escreveu para a coordenadora da Rede Virtual Cidadãpelo Banimento do Amianto na América Latina perguntando:“busquei na internet e não vi nenhum artigo ou estudos daFGV sobre o assunto (se alguém encontrar me mandem). Acho que aAbrea ou o Ministério Público, poderiam formalizar umpedido para a FGV enviar os estudos aos quais ela se refere.”Em resposta aopesquisador da Fiocruz, Fernanda Giannasi respondeu: “Quanto ao tal'estudo' citado na matéria da Agência Brasil, totalmentefora do contexto da matéria, como se fosse um enxerto deúltima hora, já estou providenciando cópias paralhe enviar aí na FIOCRUZ, lembrando-o de que este trabalho deconsultoria foi encomendado pelo Departamento da Indústria daConstrução (DECONCIC) da FIESP à Consultoria daFundação Getúlio Vargas (FGV Projetos), que éassinado pro Cesar Cunha Campos, e não é um estudo ouartigo da FGV. É bom fazermos esta diferenciaçãoporque a indústria do amianto e seu lobby fazem a mesma coisacom trabalhos que eles encomendam ao IPT e depois divulgam comopesquisas da instituição da USP, o que étotalmente inapropriado. Este relatório, de agosto de 2008, sepodemos assim chamá-lo, tem sido distribuído peloInstituto do Crisotila a todos os políticos brasileiros parapraticarem sua tradicional política do terror, alegando quenão há substitutos e, portanto, o banimento do amiantovai fazer a indústria entrar em colapso, o que étotalmente inverídico;  prova são os materiais jádisponíveis no mercado asbestos-free. Qualquer um podeverificar nas lojas de materiais de construção. Penaque a jornalista que assina a matéria não tenha tomadoeste cuidado de verificar outras fontes (como é semprerecomendado que se faça e que os órgãos sériosde comunicação fazem). No afã de dar o 'furo'ela reproduziu o release do lobby do amianto enxertando esteparágrafo infeliz na matéria que anuncia o banimento doamianto no Ministério da Saúde. O tal relatóriotraz como conclusões que 'É importante ressaltar que oobjetivo deste estudo não é questionar decisões,mas sim trazer à luz uma série de implicaçõeseconômicas decorrentes da proibição abrupta doamianto. Não cabe a esse trabalho sugerir qual o temponecessário para a indústria fazer essa adaptação- não foram pesquisados os procedimentos para isso. O objetivoenfim, tanto do Deconcic como da FGV, é trazer elementosválidos para orientar os debates, de forma que a sociedadebrasileira como um todo seja favorecida com as decisões aserem tomadas', [sic]. Eu entendo, concluindo, que o problema nãoestá no relatório em si - um estudo meramenteeconômico- e sim no mal uso que está se fazendo dele, eque a imprensa deste país, cada dia mais despreparada paratratar dos grandes temas divulga sem ao menos ler do que trata otal estudo e quem, em que contexto, como e porquê o produziu.Vemos aqui a reprodução dos mesmos erros da malfadadamatéria da Folha de São Paulo, tão oportunamentecriticada pelo VIOMUNDO (*). Ainda bem que podemos contar com uma imprensa alternativa que nãotem 'o rabo preso' com os financiadores de suapublicidade."Em2008, a ABr, havia agido diferentemente em relação aotema. Após publicar a matéria Ministériodo Meio Ambiente proíbe uso do amianto,em 29 de janeiro, e outras, em fevereiro, tratando da proibiçãodo Conar à veiculação de propaganda sobreamianto, a Agência recebeu, por meio da Ouvidoria, umacorrespondência do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC)contestando as informações contidas nas matérias.Em junho a Agência Brasil respondeu ao IBC que “mantinha suaposição” em relação ao assunto. Ouseja, os responsáveis pelo IBC foram ouvidos pela reportagem,matérias foram publicadas, mas nenhuma informaçãofoi apagada.

Naquelaoportunidade, como agora, faltou à Agência buscarexplicações do porquê de o governo eliminar o uso doamianto em seus próprios ministérios mas permitir que apopulação continue exposta aos riscos. Discutir aspolíticas públicas ou sua ausência, em funçãodos interesses da saúde pública é uma missãoque faz parte dos objetivos da EBC e poderá enriquecer a cobertura da ABr sobre o assunto.Atéa próxima semana(*) - disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/folha-publica-reportagem-sobre-amia...