Falta de dados prejudica políticas públicas voltados aos meninos de rua, diz especialista

17/08/2009 - 20h51

Ivy Farias
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - "A cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e desses mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche." Apesar de ficcionais, as palavras de Jorge Amado em Capitães de Areia retratavam uma realidade de centenas de meninos e meninas que viviam nas ruas de Salvador (BA). O romance de 1937 já descrevia uma situação que se perpetua até hoje nas capitais brasileiras: a falta de informação oficial sobre os menores em situação de risco. Foi a ausência de dados que motivou a assistente social e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará Juliana Oliveira a realizar o Censo da Exclusão ou Falta de Inclusão nos Censos? A (in)visibilidade de meninos e meninas em situação de moradia nas das capitais brasileiras, divulgado hoje (17), em São Paulo.Entre os meses de agosto e novembro do ano passado, Juliana e sua equipe procuraram dados oficiais sobre o tema nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Das 27 cidades,  duas não responderam o contato da pesquisadora (Campo Grande e Cuiabá) e outras três informaram não enfrentar o problema: Boa Vista, Macapá e Palmas. Segundo Juliana, a falta de dados "é uma tragédia". "É fato que esse quadro de absoluta desinformação piora ainda mais a situação dessas crianças."Para a pesquisadora, o mais grave é que a falta de informação sobre os menores não é apenas dos municípios: "É um absurdo a inexisência de pesquisas ou a inclusão dessa população em estudos de órgãos federais, como os do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistíca] e do Ipea [Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas]". Juliana sugere que o governo federal crie um censo para identificar os meninos e meninas de rua o quanto antes. "Conhecer sobre essas realidade é um primeiro passo." De acordo com ela, a partir de um censo seria possível planejar as políticas públicas para acabar com o problema. "A prefeitura de Rio Branco tem um levantamento informal que aponta a existência de sete crianças em situação de risco na cidade." De acordo com o levantamento feito pela pesquisadora, a cidade de São Paulo é uma das poucas que possuem dados oficiais sobre o número de grupo da população de rua: em 2007, um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social, mostrou que a capital tem 805 pessoas de 7 a 18 anos em situação de rua.  Das capitais avaliadas, a que mais tem crianças em situação de risco é Teresina, com 1.358, seguida por João Pessoa, com 1.256. Para Graziela Bedoian, psicóloga e coordenadora do Projeto Quixote, entidade civil sem fins lucrativos que trabalha com menores em situação de risco social, a pesquisa é um passo importante para que a sociedade possa debater a questão das crianças abandonadas. "Quantificar o problema ajuda, mas é importante saber em qual nível de risco as crianças estão. Precisamos contextualizar o problema, saber não apenas o numeral, mas fazer também um estudo qualitativo para descobrir quantas crianças estão trabalhando, acompanhando os pais ou usando drogas, por exemplo."Segundo ela, as crianças partem para a vida nas ruas porque perderam seus vínculos afetivos e culturais com a família e a comunidade. "O indívíduo pertence ao grupo, à família, à escola, ao bairro. Quando um laço é rompido, essa criança se torna uma refugiada urbana. Ela está isolada em sua própria cidade", explicou.