“Escritórios” disfarçam agiotagem no centro do Rio

08/08/2009 - 16h12

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Àprimeira vista é legal e até natural em tempos de crise o cidadão serabordado nas principais ruas e avenidas dos grandes centros por outrocidadão que distribui aleatoriamente impressos oferecendo empréstimos“sem avalista e sem SPC (Serviço de Proteção ao Crédito)”. O curto texto não varia e pede: “dois últimoscontracheques, comprovante de residência (conta de luz, gás outelefone), CPF e carteira de identidade (original e xerox)”. Embaixo,um número de telefone.Quando o cidadão liga, do outro lado dalinha geralmente está uma atividade tão ilegal quanto antiga: aagiotagem. É o que advertem os organismos de defesa do consumidor, emespecial o advogado Fábio Schwartz, do Núcleo de Defesa do Consumidorda Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. “Essesescritórios que distribuem propaganda nas ruas podem ou não estar aserviço de financeiras e bancos, servindo como intermediários eganhando comissões sobre os empréstimos obtidos, o que é ilegal."Defato, a legislação sobre a questão, no Código de Defesa do Consumidor,desce a um nível de detalhamento que, mesmo não sendo subjetivo,permite interpretações distintas. Existe grande diferença, por exemplo,entre a abordagem na rua e o fechamento do negócio no escritório, comoexplica o deputado federal Celso Russomanno (PP), eleito com base na defesado consumidor por São Paulo há várias legislaturas.“O códigoveda prevalecer-se da fraqueza do consumidor por sua condição física,idade, etc. Assim como segurá-lo pelo braço e tentar convencê-lo na ruaé prática abusiva. Entretanto, se o cidadão recebe a propaganda, toma ainiciativa de ir ao escritório e assina o contrato de empréstimo, aresponsabilidade é dele”, diz o deputado.Certamente porconhecer os meandros do código, os escritórios dizem sempre que épreciso ir lá pessoalmente para mais informações, que dependem do valorno contracheque, do limite de crédito, do número de parcelas e,naturalmente, da documentação do candidato ao empréstimo. Por telefone,apenas informações genéricas.“Aqui nós emprestamos até 30% dovalor no contracheque, para pagar de uma vez no próximo mês. Vocêdeixa o pré-datado e liga três dias antes do pagamento pra gentedepositar”, informa o atendente do escritório que promete “dinheirorápido”, com a impessoalidade característica a todos eles. Em geral,são salas acanhadas em prédios comerciais antigos, no máximo trêsfuncionários se revezando entre o telefone e o atendimento.“Peloque está escrito nos papéis, é agiotagem mesmo”, adianta o deputadoRussomanno. “Hoje em dia não existem mais financeiras. Foram todascompradas pelos bancos, e esses escritórios são de agiotagem mesmo. Sevocê me mandar isso eu encaminho, de ofício, ao Ministério PúblicoFederal no Rio de Janeiro e ao governo do estado, para investigar", completou.TantoRussomanno quanto Schwartz destacam o constrangimento sobre o cidadãoque caminha pela rua como um abuso que, em determinadas situações,pode render o empréstimo. Sobretudo quando a pessoa está pressionadapor dívidas, ganha pouco, precisa de dinheiro urgentemente e estápropensa a aceitar uma proposta, mesmo desvantajosa.“Quandoesses escritórios dizem que praticam os menores juros, não é verdade”,adverte o defensor público Fábio Schwartz, que defende alterações noCódigo de Defesa do Consumidor: “A lei segue a realidade sempre echega o momento em que é preciso atualizar. Chegou a hora de fazer issocom o código."Schwartz propõe que seja estendida aos contratosde empréstimos em geral a regra do Código de Defesa do Consumidorexistente nas compras por telefone ou pela internet, em que há um prazode sete dias para o consumidor desfazer o negócio, sem ônus. CelsoRussomanno discorda. “O código já prevê o prazo de desistência nos casosem que é necessário. O consumidor faz a compra por telefone ou pelocomputador e só vai receber a mercadoria mais tarde. Aí é que vai verse o que comprou é o que queria. Isso não vale para o consumidor quesai de casa, pesquisa, vai à loja ou ao banco e fecha negócio, sabendoo que está fazendo." O deputado faz questão de deixar claro que“agiotagem é crime” e que fala sobre relações com instituiçõeslegalizadas, onde os juros também são altos. É neste cenário dedinheiro caro que os escritórios em prédios comerciais proliferam nascidades médias e grandes. No Rio, o cliente faz um empréstimocom garantia em cheques pré-datados ou notas promissórias, caso estejaimpossibilitado de usar cheques pela Serasa, pelo SPC ou similares.Quem não tem contracheque também tem acesso ao crédito, em condiçõesainda mais especiais.O fato é que os juros não se situam abaixodos 20% ao mês, nas operações mais simples, podendo chegar ao dobro seestiver em situação extrema e não puder apresentar toda a documentaçãopedida.