Haitianos afirmam que presença militar no país serve a interesses de empresas estrangeiras

17/06/2009 - 17h46

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Representantes demovimentos sociais brasileiros e haitianos querem que o Brasil deixea coordenação da Missão de Estabilização das Nações Unidas noHaiti (Minustah) e retire seus militares do país caribenho. Hoje(17), durante audiência pública na Comissão de RelaçãoExteriores do Senado, os críticos à atuação internacional noHaiti foram duros ao avaliar os cinco anos da missão, aprovada peloConselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para Frantz Dupuche, da PlataformaHaitiana em Defesa de um Desenvolvimento Alternativo, as tropasestrangeiras têm servido apenas para defender os interesses daclasse política e de empresas que, atraídas pela mão de obrabarata, se estabeleceram no país nos últimos anos. “Para nós, aMinustah não chegou a cumprir sua verdadeira missão: garantir aestabilidade local. O que vem ocorrendo é justamente o contrário,ou seja, maior desestabilização. A cada dia, cresce o número desequestros e de mulheres violentadas”, afirmou.

O sindicalista Didier Dominiquetambém criticou a missão, que classifica de “ocupação militarestrangeira”. Para ele, as tropas têm dado sustentação a umprojeto de exploração da mão de obra local. “A Minustah temreprimido manifestações de estudantes, de trabalhadores e deagricultores, apoiando as forças mais reacionárias e arcaicas dopaís. E isso é o que desejam as multinacionais e os governosimperialistas: uma paz de cemitério para um projeto desuperexploração”, disse.

Nos últimos dias, manifestantes têmtomado as ruas da capital, Porto Príncipe, exigindo a promulgaçãode uma lei que eleva o salário mínimo de US$ 2 diários para US$ 5ao dia. A lei já foi aprovada pelo Congresso haitiano, faltandoapenas ser sancionada pelo presidente René Préval. Mesmo assim, aspasseatas têm sido reprimidas por agentes da Polícia Nacional e pormilitares da Minustah.

“Lançaram bombas de gáslacrimogêneo contra populares de bairros onde há escolas ehospitais”, afirmou Dupuche. “Todo o povo haitiano tem direito areclamar por uma vida melhor, e a Minustah tem reprimido essasreivindicações, defendendo a burguesia”, concluiu o haitiano.

Brasileiros que visitaram o Haiti nacondição de representantes de movimentos sociais tambémparticiparam da audiência, insistindo que o país precisa rediscutiro quanto é apropriado manter militares no país mais pobre dasAméricas. “O Brasil deveria se retirar imediatamente, pois nossapresença não ajuda em nada o povo haitiano”, disse osecretário-geral do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos(IDDH) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aderson Bussinger.

A convite, Bussinger visitou o Haitiem meados de 2007. Além de testemunhar a situação de extremamiséria, ele conversou com várias pessoas que reclamaram daexploração da mão de obra local, do descumprimento de direitostrabalhistas e da repressão militar.

“O que se vê, de fato, é umaocupação militar que acaba servindo de sustentáculo, de apoio aosinteresses de empresários estrangeiros no Haiti. Pelo quetestemunhamos, o objetivo não é resolver a pobreza do povohaitiano, mas produzir para o mercado norte-americano com custosmínimos, pagando salários três vezes menores que os jábaixíssimos pagos no Brasil”, destacou Bussinger.

Sandra Quintelas, da CoordenaçãoNacional de Lutas (Conlutas), questionou os custos da missão que,segundo ela, é estritamente militar e não está de acordo com ajustificativa oficial para sua permanência no país, que é amanutenção da paz. De acordo com Sandra, o Haiti gasta mensalmenteUS$ 6 milhões a título de pagamento de sua dívida externa, aopasso que só o Brasil investe cerca de R$ 700 milhões anuais paramanter seus homens no país. “Não se resolvem problemas políticos,sociais e históricos com militares”, afirmou

Para Antônio Lisboa Leitão deSouza, também da Conlutas, se o Brasil realmente deseja ajudar oshaitianos, deveria fazer como Cuba que, em vez de enviar soldados,enviou médicos que atendem à população e ajudam a recompor osistema de saúde local.

Souza, que esteve no Haiti em abrildeste ano, disse que conheceu homens, mulheres, idosos e até mesmocrianças que trabalhavam em condições sub-humanas, ganhando US$0,50 por dia. “Além disso, eles ainda não conquistaram o direitoà folga remunerada, ganhando apenas pelo dia em que trabalham”.Para Souza, o Brasil deveria dar o exemplo e dizer à ONU que já nãoé mais tempo de manter tropas militares no Haiti.

Procurado, o Ministério da Defesadisse que somente o ministro Nelson Jobim poderia comentar o assunto,mas ele está fora do país, na Europa. Ontem (16), a chefe da Divisão das Nações Unidas do Ministério das RelaçõesExteriores, conselheira Gilda Motta Santos Neves, afirmou que ogoverno brasileiro não tem prazo para deixar o país e teminvestido em diversas ações sociais.