Países africanos buscam exemplo brasileiro para se despontar no cenário econômico mundial

14/06/2009 - 12h44

Gilberto Costa
Enviado especial da EBC
Recife - O Ministro do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, concluiuno sábado (13) uma missão empresarial à Gana, aoSenegal, à Nigéria e à Guiné Equatorial,na África. Para outubro próximo, o ministérioprepara mais um périplo africano. Da próxima vez, oroteiro deverá incluir a África do Sul, o Zimbábue,Angola e Moçambique, que será a terceira missãoà África este ano. O interesse pelo continente seexplica pelas ligações históricas, mas tambémpela perspectiva econômica: em breve, os africanos serãouma população de 1 bilhão de pessoas.

Nomomento, a África desponta como a parte do mundo menosatingida pela crise econômica mundial, extremamente rica emprodutos estratégicos - petróleo e minério, porexemplo -, e carente de produtos e serviços que as empresasbrasileiras acumularam alguma experiência, como a execuçãode grandes obras.

Diversos países africanos precisamurgentemente de rodovias e hidrelétricas. Outra urgência éencontrar uma vocação econômica sustentável,que gere emprego e renda no continente mais pobre do mundo.

Aintenção, admitida durante a missão pelos africanos dos países visitados,é que a África se torne, como um todo, um continente de países emergentes como é o Brasil.

Emtorno desses objetivos, o ministro Miguel Jorge esteve com trêschefes de Estado e reuniu-se com dezenas de ministros. Os executivosbrasileiros que acompanhavam a missão fizeram contato com maisde 700 produtores e importadores africanos.

De volta ao Brasil,depois de seis dias de viagem, aguardando o abastecimento do aviãoda Força Área Brasileira (FAB), no aeroporto de Recife,Miguel Jorge concedeu a seguinte entrevista à AgênciaBrasil, onde falou dos resultados da viagem e dos recentes fatos da economia como a redução do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, a redução da taxa Selic a 9,25% e a possibilidade de prorrogação da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Agência Brasil (ABr) –Que balanço o senhor faz da missão empresarial àÁfrica Subsaariana?

Miguel Jorge – Um balançopositivo, como tenho feito das outras missões. Nóstivemos cerca de 85 empresários brasileiros, desde pequenas emédias empresas até grandes companhias. Essesempresários fizeram muitos contatos, alguns fizeram negóciosmesmo e assinaram contratos. Eu conversei com alguns, que aténomearam distribuidores de produtos brasileiros em alguns paísesda África. Uma missão como essa tem o objetivo devender, se não o empresário não viria. Mas elatem também um objetivo muito importante que é o de oempresário fazer contato, fazer com que o empresárioencontrem contrapartida do outro lado e comece uma relaçãocomercial que se estenda no futuro. Nesse ponto de vista, a missãofoi de absoluto sucesso. Nós fomos recebidos muito bem emtodos os lugares. Há uma expectativa muito grande em relaçãoao Brasil, não que vendamos produtos para eles, mas tambémque nós ajudemos com qualificação de mãode obra, treinamento e transferência de tecnologia. Atransferência de tecnologia é um fator que aparece empraticamente todas as reuniões com governos e empresáriosafricanos. Nós temos um papel importante de ajudar essespaíses. Isso se percebe com muita clareza, há uminteresse e expectativas enormes da África pelo Brasil. Euacho que nós devemos atender ao máximo essasexpectativas. Esses países precisam do Brasil, precisam dagente. Nós temos uma posição diferente emrelação aos países ricos, que têm poucapreocupação com a parceria com os africanos. Eu achoque o brasileiro desenvolveu uma solidariedade em relaçãoaos seus vizinhos e, especialmente, aos países africanos, quenão se nota em outros países. Essa solidariedade éque faz com que haja essa expectativa. Nós somos claramente,como país e como povo, uma extensão da África.Portanto, como nós somos vistos como uma extensão daÁfrica que deu certo e avançou muito, que progrediu eque somos um país que tem importância econômica eque tem índice de qualidade de vida muito superior a essespaíses, o que eles gostariam de ser é o Brasil. O sonhodesses países é ser como o Brasil. Nós temos queajudá-los para que isso aconteça.

ABr – Os executivos queestiveram na missão assinalaram a dificuldade do créditopara os africanos financiarem importações de produtosou contratarem serviços brasileiros. Eles apontam que o Brasilexige muitas garantias e os procedimentos são muitoburocráticos, e que a concorrência (chinesa e coreana,por exemplo) é mais dinâmica. Isso é de fato umproblema?

Miguel Jorge – O problema fundamentalnão é da burocracia ou de dinamismo, mas a capacidadede financiamento do país. A China tem reservas de mais de US$1 trilhão e o Brasil de mais de US$ 200 bilhões. Quandoocorreu a crise, como em outros países, uma grande parte dasempresas brasileiras tinha muito financiamento no exterior. Quandoesse financiamento secou, as empresas buscaram financiamento nomercado interno e, evidente, como o país não tem umaeconomia tão grande quanto à China, por exemplo, houvefalta de recursos. O dinheiro é uma mercadoria. Vocêtinha gente tomando empréstimo no exterior e de repente voltoua pegar dinheiro no Brasil, faltou mercadoria, faltou dinheiro,faltou financiamento. Isso já está voltando ao normal.Houve também na época uma aversão muito maiorpelo risco, isso fez com que os financiamentos ficassem maisdifíceis. A normalização do processo econômicovai levar que isso mude. Não vai faltar dinheiro. Eu reconheçodificuldades para as pequenas e médias empresas, dificuldadespara financiar tanto para mercado externo quanto mercado interno. Maspara essas empresas não tem faltado financiamento. O BNDES tempara este ano um orçamento de US$ 109 bilhões e nãotem faltado financiamento para empresas que sejam idôneas,sérias, com cadastro positivo. Não temos tidoreclamações. Isso aconteceu, principalmente, no começodo ano, mas hoje está praticamente normalizado. Nós nãotemos tido mais queixa nesse sentido.

ABr – Qual efeito da reduçãoda Selic (taxa básica de juros) para a economia brasileira?

Miguel Jorge – Nós vamos terque aprender a conviver com essa taxa de juros que começa achegar no nível de país civilizado, próximo de5% em termos de juros reais. Por outro lado, ela [a nova taxa,hoje 9,25% ano ano] cria uma série de problemas para aeconomia, especialmente porque ainda temos algum tipo de indexaçãoque está acima desse patamar. Vamos ter que fazer um tipo deajuste e a sociedade toda vai ter que se acostumar a uma taxa dejuros muito menor. Claro que é benéfico, quanto menor ataxa de juros, melhor. A taxa de juros Selic é uma referênciae a sua diminuição abre nova perspectiva para o país.

ABr – Que tipo de problema? Acaderneta de poupança?

Miguel Jorge – A poupança éum deles, mas falo dos contratos que estão indexados. Aeconomia vai ter que ficar bem mais desindexada. Nós vamospassar por um processo de aprendizagem interessante e positivo.

ABr – Com a redução,vão aumentar os investimentos das empresas?

Miguel Jorge – Eu acredito que sim.Isso mostra que o país está estável e osfundamentos da economia funcionam muito bem. Os empresáriossempre reclamam da taxa de juros, ela é um indicador. O queinteressa aos empresários, de modo geral, e àpopulação, é que os juros diminuam na ponta, naoperação real. Que os juros do sistema financeiro sejammenores assim como o spread bancário. Claro que ospread é sempre relativo ao custo do dinheiro. Odinheiro é uma mercadoria como outra qualquer: tem falta dedinheiro, o preço sobe; tem abundância de dinheiro, opreço cai. No entanto, nós sabemos que quando teve essaenorme folia financeira que levou à crise, o nosso spreadera muito alto. Nós precisamos fazer com que o spreaddiminua e, aí sim, os investimentos sejam financiados nãosó por bancos como o BNDES [Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social], mas também quehaja no sistema financeiro um processo de investimento.

ABr – Como o senhor recebeu ainformação da queda do PIB no primeiro trimestre?

Miguel Jorge – Com bastantenaturalidade. Eu já tinha dito que o PIB seria negativo. Eutenho criticado muito os analistas, que erraram mais uma vez emrelação à redução da taxa dejuros. Os analistas estavam todos prevendo 0,75 ponto percentual e aívocê lê nos jornais 'analistas surpresos'. A únicacoisa que sempre se lê nos jornais é 'analistassurpresos'. Eles deveriam se abster um pouco de fazer previsão.Quando eu falei em recessão, e até recebi umascríticas, é porque os números já estavamclaros. Os números do último trimestre do ano passadoeram negativos e os números que nós acompanhávamos,mas não eram divulgados, também eram. Quando eu falavaem recessão, portanto, era recessão técnica, queaté alguns economistas hoje não consideram tãoimportante. De qualquer forma, o resultado do PIB foi o esperado enós vamos ter um segundo trimestre melhor e, conseqüentemente,um terceiro melhor que o segundo, e um quarto melhor que o terceiro.Programas como Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, começarãoter impacto na economia a partir do segundo semestre, quando começamos desembolsos. Repare que a Caixa Econômica Federal nos cincoprimeiros meses do ano fez quase o dobro de empréstimos do queno ano passado, quando havia a chamada abundância definanciamento e de dinheiro. Nós estamos no caminho certo paraa recuperação, que vai ser lenta e difícil masvai ocorrer.

ABr – E o resultado da balançacomercial?

Miguel Jorge – A balança temse mostrado positiva há algum tempo, fora aquele acidente depercurso nos dois primeiros meses do ano, tanto que já temacumulado US$ 7,5 bilhões e tem mantido uma média boano fechamento semanal. Nós consideramos que a tendênciaé haver melhora no segundo semestre, e este semestre serámenos ativo, mas nós teremos um bom resultado este ano.

ABr – Diante dessasperspectivas, ainda é necessário manter a isençãoe a redução do IPI [Imposto sobre ProdutosIndustrializados]?

Miguel Jorge – Eu venho da indústriae sempre, quando foram tomadas essas medidas de reduçãoe isenção de IPI, reclamei muito quando algumaautoridade dizia que deveríamos manter a reduçãodo IPI porque faz que haja uma postergação de compra. OIPI reduzido tem o objetivo de fazer com que o consumidor seentusiasme e compre o produto. Se você anuncia com antecedênciade duas ou três semanas que o IPI será reduzido, alguémque estava se programando para comprar o produto vai deixar para opróximo mês. O próprio presidente Lula temfalado: 'olha se você for comprar, compre agora nãodeixe para depois. Faça com que a roda da economia continue agirar'. Então, mesmo que eu seja favorável, atéo último dia eu vou dizer que sou contra a prorrogaçãoda isenção e redução do IPI.