ONGs denunciam exploração sexual de jovens indígenas gays e travestis em Roraima

23/05/2009 - 14h16

Karina Cardoso*
Repórter da Rádio Nacional da Amazônia
Brasília - “Acho que meu pai tinha preconceito de mim, porque ele me chamava degay. Ele dizia que ia me matar. Quem me ajudou a fugir foi minhamãe. Eu tinha treze anos de idade."A travesti PaulinaJanine, hoje com 24 anos, relembra os momentos tristes da adolescência,quando ainda vivia com a família em uma aldeia indígena em Normandia.Paulina é macuxi e vive atualmente em Boa Vista onde ganha a vida como garota de programa. Esta é a realidade de muitos jovens indígenas quemigram para as capitais na tentativa de fugir do preconceito nasaldeias. E é nesta busca que grande parte desses jovens é vítima darede de exploração sexual.Em geral, os jovens exploradossexualmente em Boa Vista são homossexuais ou travestis. Alguns delesjá foram contaminados pelo vírus HIV. E alguns faleceram por teremdesenvolvido a Aids.Para conscientizar esses jovens sobredoenças sexualmente transmissíveis e sobre a importância da camisinha edo tratamento médico surgiu, em 2003, o Grupo Diversidade.Opresidente do grupo, Sebastião Diniz Neto, afirma que a instituição atua diretamente com50 jovens de 16 a 25 anos por meio de encontros, palestras e ações,como distribuição de camisinhas. Todos os integrantes são homossexuais outravestis. Alguns, portadores do vírus HIV.Diniz afirma que há preconceito nas aldeias e até mesmo entre as lideranças indígenas.“O próprio tuxaua já é machista. Ele entende que aquilo não podeacontecer. Entende que o índio do sexo masculino tem que gerarcrianças. Principalmente os travestis são postos na rua. Entãoeles ficam isolando, isolando, até a pessoa se isolar de vez esair da comunidade."O presidente do Grupo Diversidadeacrescenta, ainda, que a rede de exploração sexual se coloca como únicaopção de sobrevivência para esses jovens.“A genteencontra uma certa dificuldade por falta de opção de emprego. Quando omercado de trabalho abrir as portas elas vão sair da prostituição.Vontade elas têm. Fizemos uma pesquisa sobre o que fariam a não serprostituição, deu enfermagem, cabeleireira."A travestiindígena Simone da Silva Santos, de 28 anos, também deixou Normandiaainda adolescente e foi tentar a vida em Boa Vista. Foi na rede deexploração sexual que encontrou meios para ajudar financeiramente amãe.“As vezes mamãe liga pra mim. As vezesela chora por mim também. Eu sofri mas eu ajudei ela também. Ajudei mamãe a comprar uma casa para ela.”Por meio das ações do Grupo Diversidade, Simone tenta mostrar para as amigas a importância do sexo protegido.“As vezes eles me dão um pacote de camisinha para eu entregar para aspessoas que estão precisando. Eu ajudo elas também. Como eles estão meajudando eu tenho que, pelo menos, ajudar as pessoas também.”Natentativa de afastar a rede de exploração sexual, o Grupo Diversidadeoferece curso de cabeleireiro para que os jovens aprendam umaprofissão. Foi o caso do indígena Eduardo Macuxi que, mesmo com opreconceito, não ingressou na prostituição e hoje trabalha emum salão de Boa Vista.“A minha primeira experiênciafoi através de lá [do grupo]. Porque eu conhecia vários cabeleireiros e elesfalavam pra entrar na área. Eu disse que um dia ia tomar umadecisão e entrar.”A presidente da Organização Indígena Positiva do Estado de Roraima, Nívea Pinho, explicaque, além do preconceito existente nas aldeias, há também a dificuldadedos próprios indígenas de pedir e conseguir ajuda quando um dosintegrantes da família, por exemplo, está infectado com o vírus do HIVou quando é vítima de abuso sexual.“Geralmente asfamílias preferem sair da comunidade. Não resolver o problema e virmorar em Boa Vista. Passar por dificuldades e uma série de coisas."Oadministrador substituto da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Roraima, Petrônio Barbosa, dissedesconhecer o problema vivido por indígenas homossexuais e travestisnas comunidades.“A Funai não tem conhecimento de casos como este. Até agora não chegou nenhum caso."Parao conselheiro do Conselho Tutelar de Boa Vista, Rony da Silva, a redede exploração sexual se beneficia da falta de estrutura familiar. Porisso, ele explica que o órgão municipal, responsável pela defesa dosdireitos de crianças e adolescentes, atua para desenvolver a estruturada família.“Nós vemos hoje uma grande deficiênciadentro da estrutura familiar. E nós procuramos trabalhar na estruturada família, fazer encaminhamentos para rede de acompanhamentopsicológico e psiquiátrico. Então temos toda uma rede onde nóspodemos trabalhar com a estrutura da criança e da família."AOrganização de Mulheres Indígenas de Roraima também atua naconscientização dentro das aldeias indígenas. Para a coordenadora doórgão, Kátia Januário de Souza, a educação é a maior rival daexploração sexual.“Não queremos ver nossos filhos naprostituição. A gente quer ver nossos filhos estudando, se formando.Também somos capazes de ser doutor, advogado e tudo mais."