Nos 100 anos do mal de Chagas, Fiocruz pesquisa o segundo remédio contra a doença

17/05/2009 - 12h43

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - No ano do centenário da descoberta do mal de Chagas, o Instituto OswaldoCruz (IOC) prepara para os próximos meses o início de testes em humanos de umnovo medicamento à base de selênio, um dos elementos naturaissubtraídos no organismo pela doença. A diretora do IOC, TâniaAraújo-Jorge, responsável pela pesquisa, diz que os testes em animaisforam concluídos com êxito e agora cumpre-se a série de protocolos daAgência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os testes com osportadores da doença, em fase de seleção entre os 1.200 registrados noInstituto de Pesquisas Clínicas Evandro Chagas, também da FundaçãoOswaldo Cruz (Fiocruz).A importância dessa pesquisa pode ser avaliadapelo fato de, em 100 anos, a doença de Chagas ser combatido com um sómedicamento, o Benzonidazol, que provoca efeitos colaterais danosos,não pode ser administrado por longo período e perde eficácia diante docrescente número de transmissores. “O mal de Chagas é doença de pobre,mais especificamente de pobre latino-americano”, explica apesquisadora. “Esta é a principal razão para termos só um remédio atéhoje, embora o interesse venha aumentando nos Estados Unidos, no Canadá,na Alemanha e até no Japão, porque a doença também chegou ao mundodesenvolvido."A doença de Chagas desembarcou nesses países por meiode transfusão de sangue e transplantes de órgãos de doadores imigrantesportadores da doença. Embora a medicina e os aparelhos sejamsofisticados na Europa e na América do Norte, Tânia conta que eles nãoestão preparados para detectar se o sangue ou os órgãos estãoinfectados por um mal que não está na sua realidade. “Como apenas 30%das pessoas infectadas apresentam a sintomatologia, o parasita não semanifesta na maioria dos seus portadores”, ela acrescenta, comojustificativa à infecção em outros lugares. Como ocorre no mundo inteiro naspesquisas científicas em geral, a que se desenvolve noInstituto Oswaldo Cruz não tem prazo para chegar a algum resultado, masTânia Araújo-Jorge estima em sete anos o tempo para saber se os testesem pacientes com o novo medicamento apresentam resultado encorajador.“É possível, não podemos afirmar nada, a não ser que, dando tudo certo,o governo teráde bancar o novo produto, porque a indústria farmacêutica internacionalnão tem interesse em fabricar remédio para quem não pode comprar."Sena África, Índia e nos países pobres da Ásia e da Oceania não existemos transmissores do mal de Chagas, na América Latina eles não param dese multiplicar e, pelas contas da diretora do IOC, somam mais de 100apenas no Brasil. “São vetores de regiões pobres, entram por frestasnas casas, estão no mato, nas plantas e nos animais, embora emCochabamba, na Bolívia, já se tenha encontrado transmissor em áreaurbana, em casa de alvenaria. É preciso acompanhar as alteraçõesambientais, como o aquecimento, para também acompanhar a evolução datransmissão." No Brasil, cujo universo de infectados giraentre 4 milhões e 6 milhões, o mal de Chagas é enfrentado em “trêsgrandes linhas de ação”, segundo Tânia: o estudo permanente eaprofundado do uso do Benzonidazol, a investigação sobre novas drogascontra o parasita e o fortalecimento da resistência do paciente. Elaage nas três, mas seu foco principal é o paciente e não o parasita.“Os doentes já são prioritários para transplantes desde o primeirotransplante de coração feito no país, há mais de 40 anos, como tambémmerecem atenção especial para a implantação de marcapasso cardíaco."Aexpectativa de médicos e pesquisadores é de que em 50 anos o mal deChagas esteja sob controle, sobretudo porque já não há criançasinfectadas, os doentes crônicos estão sob tratamento e os idosos vãocumprindo seu ciclo de vida - o que também contribui para a gradualredução do universo da doença. Tânia Araújo-Jorge considera que odesenvolvimento do país, com obras de infraestrutura e de caráter social, também é um fator positivo na luta contra o mal centenário.Poroutro lado, a descentralização do combate aos transmissores,implementada a partir de 1999 com a transferência das ações federais àesfera municipal, causa apreensão entre pesquisadores da própriaFiocruz, reconhece a diretora do instituto. “É fundamentalmanter equipes preparadas nas cidades, capazes de identificartransmissores e situações onde eles estão, como plantas, roedores,marsupiais e outros animais hospedeiros que transmitem a doença. Nósfazemos a distribuição de material para o combate em todas as regiõesdo país, com instruções precisas sobre o que fazer."Efinaliza: “Mas o mal de Chagas nunca será extinto, porque está nanatureza, como disse, no mato, nas plantas, nos animais e no homem queinterage nesse ambiente. Por isso, a contaminação vem crescendo naAmazônia, onde a população também não para de aumentar”.