Mudança em legislação fundiária pode prejudicar índios, quilombolas e reforma agrária

17/05/2009 - 10h43

Marco Antonio Soalheiro e Beth Begonha
Repórteres da EBC
Brasília - A Medida Provisória458 - que permite à União transferir, sem licitação,terrenos de sua propriedade, de até 1,5 mil hectares, aosocupantes das áreas na Amazônia Legal - , aprovada na última semana na Câmara dos Deputados, preocupa especialistas e movimentos sociais quanto a um possível agravamento da ocupação privada de terras aptas a abrigar comunidades indígenas, quilombolas ou projetos de reforma agrária. Outra proposta, o Projeto de Lei 4791/2009 dos deputados federais Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e AldoRebelo (PCdoB), transfere a competência de demarcaçõesde terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional.Os temas foram debatidos emuma série de entrevistas veiculadas no programa AmazôniaBrasileira, da Rádio Nacional da Amazônia. “Eu tenho absolutaconvicção de que a fonte desses projetos é amesma. São apenas canais diferentes, buscando o mesmoresultado. A fonte desas propostas é o agronegócio, sãopessoas que querem obter terras de graça, querem mantertrabalhadores em condições miseráveis”,criticou o jurista Dalmo Dallari, que mantém envolvimentohistórico com a causa indígena.Opesquisador Edélcio Vigna, do Instituto de EstudosSocioeconômicos (Inesc), teme que a ocupaçãoindevida de terras na Amazônia aumente pela  dificuldade de garantir o cumprimento das regras estabelecidas na MP 458. “Creio que essaregularização, se não for bem monitorada econtrolada por órgãos da sociedade civil e peloMinistério Público, muita gente que não tem nada a ver com a Amazônia estará ocupando as terras e usufruindo dessa oportunidade que o governo dá aos reaisposseiros”, afirmou Vigna. Para a coordenadora doFórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça noCampo, Maria da Graça Amorim, a deficiênciaestrutural do Incra [o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] poderá fazer da MP 458 um grande equívoco. “O Incra já tem orçamento pequeno equadro insuficiente. Como tirar pessoas de lá para fazer aregularização fundiária na Amazônia? Ogoverno está dizendo que o pouco que tinha de reforma agráriavai fechar as portas”, disse Maria da Graça. Quem tambémdemonstra preocupação com as novas regras é oprocurador da República no Pará Felício Pontes.Ele admite as deficiências de estrutura dos órgãosfederais na região, marcada pela grilagem de terras, e defendecomo medida fundiária mais urgente a garantia de terras paraas comunidades tradicionais. “Os quilombolas têmlutado muito para ter suas terras reconhecidas. Queremos que ogoverno estadual e o governo federal façam uma forçatarefa para que centenas de comunidades quilombolas tenhamprioridade na titulação de terras”, disse Pontes. O deputado federalAsdrúbal Bentes (PMDB/PA), relator da MP, considera naturais ascríticas ao texto aprovado diante da pluralidade departes interessadas na questão, mas exalta a amplitude dalegislação, que afetará 92% das posses daAmazônia Legal, nas quais vivem mais de 1 milhão depessoas. “São irmãosque foram para lá ou nasceram lá, e até hojevivem a ausência do Estado. Vivem nas terras sem ter o documento, sem poder exercer sua cidadania em plenitude. A primeiraconsequência benéfica é trazer a segurançajurídica para os que investiram e acreditaram na Amazônia”,argumentou Bentes. Em relaçãoao PL 4791/2009, que aguarda apreciação em comissões, as críticas fazem menção ao fato de que noCongresso Nacional, a representação dos indígenasé incipiente se comparada à dos produtores rurais. Essadicotomia poderia comprometer o reconhecimento do direito origináriodos índios sobre as terras. “Se a demarcaçãofor para o Congresso Nacional, ali está a bancada ruralista,os anti-indígenas, que são 99% e apenas pensam nogrande capital. Vai ser um grande retrocesso para nós”,reclamou o índio Jecinaldo Saterê Mawé ,representante da Coordenação das OrganizaçõesIndígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). A Coiab prometeprotestar no Congresso Nacional contra o projeto dos deputadosPinheiro e Rebelo e, se necessário, ingressar com açõesna Justiça. Para os autores, aresistência ao projeto não se justifica, uma vez que otexto não entra no mérito da conveniência do tratamento dado aos indígenas pelo governo brasileiro, masapenas estabelece um foro para a discussão do tema. “Um tema dessaamplitude não pode ser matéria para um exame setorial.Os setores envolvidos são indígenas, plantadores,criadores, governadores, prefeitos. Todos são legítimospara ter posição sobre a matéria, mas sãosetores. O tema tem que ter uma avaliação global dointeresse do país”, ressaltou Ibsen Pinheiro.“Qualquer instituição pode participar da discussão,mas o foro adequado só tem um, que é o CongressoNacional, enquanto síntese do povo brasileiro”, acrescentou.