Aliar educação e saúde é estratégia de Curitiba para vencer analfabetismo

14/05/2009 - 9h46

Lúcia Norcio*
Repórter da Agência Brasil
Curitiba - O aposentado Márcio Bueno, 66 anos, foi fazer uma consultaem um posto de saúde de Curitiba e viu um cartaz que informavasobre um curso de alfabetização para adultos. Ficou algum tempo parado diante do aviso, tentando juntar as letras e, aomesmo tempo, disfarçar para que as outras pessoas nãopercebessem que era analfabeto. Foi assim que ele descobriu o projetoAlfabetizando com Saúde, resultado de parceria entre assecretarias de Saúde e de Educação deCuritiba. Hoje, o aposentado tem orgulho de saber ler e de terrenovado a carteira de motorista, agora com o seu nome assinado emvez da marca do polegar.“Quando tirei acarteira, há 40 anos, foi com os dedos. Eu trabalhava comcaminhão, conhecia as placas, não precisava saber ler,bastava ter prática. Agora, no curso de reciclagem, eles mederam uma folha para preencher. Sofri bastante, suei muito, maspreeenchi todas as informações do formulário.Tem ideia do que isso significa?” Oprojeto da prefeitura da capital paranaense usa temáticada saúde na alfabetização de adultos. Ainiciativa que teve início em 2002 venceu no ano passado umprêmio internacional de alfabetização da Organização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco).Oconvite para participar do projeto é feito durante oatendimento no posto de saúde. Os agentes comunitários,que visitam casas de uma determinada regiãolevando informações sobre saúde, tambémfazem o convite. Como apenas 4% da população deCuritiba é analfabeta, de acordo com dados da coordenaçãodo projeto, o agente comunitário sabe onde esse públicoestá.

Alémde ensinar adultos a ler e escrever, a proposta tem o objetivo deajudar a pessoa a cuidar da própria saúde. “Oadulto só vai estudar aquilo que o atrair, ele vai porque quertirar a carteira de motorista, ler a Bíblia, escrever carta. Onosso diferencial é a questão da saúde. Como eletem alguma doença se interessa em estudar, até paramelhorar a qualidade de vida”, explica a coordenadora do projetoAlfabetizando com Saúde, Marisa Marini Giacomini.Asaulas são realizadas nas unidades de saúde de Curitibae mais de 2 mil pessoas já passaram pelo projeto. Ametodologia utilizada é a do construtivismo, que procuraproblematizar os assuntos e evita tratar os temas apenas de formaexpositiva.

Apósa alfabetização, os alunos podem voltar para a escola,mas muitos preferem continuar no projeto.

“A vida agora nemse compara à de antes. Até para ir ao banheiro eu meatrapalhava, tinha que ter aquele bonequinho na porta. Hoje vou a todos os lugares sozinha, já sei ler o que está escritona placa do ônibus. Fico sentada lá dentro lendo todasas placas que eu vejo”, conta a aposentada Bernadete de Sá,64 anos, que participa do projeto desde 2008.A coordenadora atribui o sucesso da iniciativa à simplicidade da idéia e ao trabalho conjunto das duas secretarias. O projeto diminuiu o númerode internações por complicações dediabetes e hipertensão e aumentou a expectativa de vida dosalunos, segundo a Marisa.

Osbons resultados levaram a idéia para a África. Em 2005,o Alfabetizando com Saúde venceu uma seleção e foi implantado na região de Cabo Delgado, emMoçambique.

Umaequipe brasileira, em diversas visitas ao país, elaborou omaterial didático, capacitou 1,2 mil alfabetizadores e abriu novas salas de aula. “Havia pessoas que estudavam embaixo deárvores, a apostila era um dos únicos recursos quechegou à comunidade, não havia livros, lápis,cadernos”, lembra Marisa.