Taxa de analfabetismo no Nordeste é quase o dobro da média nacional

13/05/2009 - 10h15

Amanda Cieglinski*
Repórter da Agência Brasil
Brasília - As diferenças entre as regiões brasileiras tambémtêm reflexo nas taxas de analfabetismo. Enquanto no Sul do paíso percentual de analfabetos representa pouco mais da metade da taxabrasileira, atingindo 5,4% da população, no Nordeste oíndice é quase o dobro da média nacional, 19,9%.Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2007, doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Segundo especialistas, a relação existente entreanalfabetismo e pobreza explica a maior incidência do problemanos estados nordestinos. “Apessoa pobre tem um acesso restrito à educação ea muitos outros direitos como saúde, habitação,saneamento básico. Então, onde há bolsõesde pessoas de baixa renda, como no Nordeste, há bolsõesde pessoas que não sabem ler e escrever”, explica oespecialista em educação de jovens e adultos daOrganização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco) noBrasil, Timothy Ireland.Paratentar diminuir o contingente de analfabetos no Nordeste e,consequentemente, reduzir as disparidades regionais, o programaBrasil Alfabetizado, do Ministério da Educação(MEC), atende prioritariamente os municípios em que mais de25% da população não sabe ler e escrever.Esteano, participam do programa 1,5 milhão de pessoas. Desse total, 84% sãoda Região Nordeste. Entre os estados, o que concentra o maiorpercentual de analfabetos é Alagoas, onde um em cada quatrohabitantes com mais de 15 anos não sabe ler e escrever."NoNordeste você tem um tipo de problema, no Sul, outro. Vocêtem problemas muito peculiares em cada região do país.Para cada uma delas é preciso uma estratégiaespecífica. O Norte brasileiro sofreu uma migraçãoforte nos últimos anos, então chegaram analfabetos”,aponta o secretário de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade do MEC, AndréLázaro. Parao presidente da organização não governamentalAção Educativa, Sérgio Haddad, éimpossível zerar o analfabetismo no Brasil sem diminuir aexclusão social. “Em nenhum país do mundo vocêteve a superação do analfabetismo sem superar condiçõesde pobreza absoluta. E no Brasil há parcelas da populaçãoque vivem em situações de indigência.”Opesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)Marcelo Medeiros ressalta que o analfabetismo gera um ciclo deimobilidade social que envolve não só o indivíduo,mas a sua família. “É um ciclo de reprodução.Se você for analfabeto, sua chance de também ser pobre émuito alta. Quem está nessa condição nãotem qualificação para ocupar um bom posto de trabalho.Então se você for uma pessoa pouco educada e pobre, temmenor chance de ir para a escola ou de ter acesso a uma educaçãode qualidade. Você acaba criando um ciclo por um longoperíodo”, aponta.Oajudante-geral Manoel José dos Santos, 40 anos, morador de SãoPaulo, resolveu voltar a estudar justamente porque tinha dificuldadede encontrar emprego. Nascido em Beneditino (PI), há seis anosfrequenta as aulas de alfabetização na PontifíciaUniversidade Católica (PUC-SP). Ele diz que já perdeuvárias oportunidades profissionais por ser analfabeto, antesde ser contratado no prédio em que trabalha. “Se tem umavaga e seis pessoas disputando, vai levar quem sabe mais, nãoé?”, diz.

Hoje,é justamente quando anota recados ou separa ascorrespondências dos moradores que Santos se sente maisorgulhoso. Mas ele reconhece que precisa progredir um pouco nosestudos. Por causa do trabalho, ele não consegue ser assíduoe conta que já perdeu meses inteiros de aula. Apesar dasdificuldade, o ajudante-geral está feliz porque pode procuraranúncios de emprego no jornal e checar endereços.

Opesquisador do Ipea alerta, no entanto, que a alfabetizaçãonão é suficiente para transformar a condiçãosocial e econômica dessas populações.

Aalfabetização é muito pouco, por isso aspessoas falam de letramento, que é um domínio dasletras em um sentindo mais amplo. Esse letramento é a basepara você entrar em um sistema de aprendizado amplo. A genteprecisa de muito mais para ter uma boa indicação nomercado de trabalho. Você tem que ter alguém preparadopara aprender”, diz. Foiem função da necessidade de trabalhar que o morador daperiferia de Manaus Francisco Almeida, 64 anos, nunca conseguiufrequentar uma escola. Assim como ele, 10,8% da população do Norte do país são analfabetos, a segundamaior taxa regional.

“Édifícil sobreviver em um mundo cheio de números eletras, porque é como se isso tudo não existisse paranós. Mas existe para os outros”, lamenta Almeida, quecomeçou a trabalhar aos 8 anos. “Nãosei ler, escrever nem telefonar, mas me viro para contar dinheiro eidentificar as notas”, acrescenta. Comorgulho, Chico, como é conhecido, diz que aprendeu a escreverseu nome, mas não considera a possibilidade de voltar aestudar. Ele já trabalhou como carregador em feiras, ajudantede caminhão, caseiro e pescador e, atualmente, vive da rendade um pequeno comércio de bebidas montado em casa.

"Continuasendo difícil trabalhar sem ler e escrever. Saber ler eescrever ajuda a ter uma vida melhor e melhores salários, masnão penso em voltar a estudar porque papagaio velho nãoaprende mais nada”, acredita.