Programa paulista ajuda analfabetos a lidar com as palavras

13/05/2009 - 10h22

Vinicius Konchinski
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - CíceraLaurindo Guerra, 32 anos, aproxima-se caminhando a passos curtos e,timidamente, senta-se em frente a uma voluntária e pede ajuda.Ela traz nas mãos uma carta enviada pela escola de sua filha,que ainda nem completou 3 anos de idade. Ao entregar odocumento, Cícera é surpreendida por uma pergunta:– A senhora não sabe ler?, questiona a atendente.– Sei,responde Cícera. – Eu leio, sóque eu não entendo muito bem, sabe?Mãe zelosa epreocupada com os recados da professora de sua filha, Cícera émais uma pessoa atendida pelo Programa Escreve Cartas, no Poupatempo Santo Amaro, um centro deserviços públicos localizado na zona sul da cidade deSão Paulo.Assimcomo outros que já haviam passado por ali, ela procura auxíliopara não se perder em meio a um mundo de letras e palavrasque, para ela, não fazem muito sem sentido. “Preferi pedirajuda. Vai que eu assino uma coisa que não entendi direito eme arrependo”, justifica.Cíceranasceu no município de Inhapi, no sertão de Alagoas, esó pôde estudar quando chegou a São Paulo há16 anos. Concluiu o ensino fundamental em um supletivo, masreconhece: “Não aprendi direito. No supletivo, se vocêaprendeu ou não aprendeu, vai empurrando para frente.”Desdeoutubro de 2001, o Escreve Cartas ajuda pessoas como Cícera. Oprograma do governo de São Paulo tem voluntáriosprestando auxílio em outros três centros de serviçosda região metropolitana da capital. Até hoje, mais de200 mil atendimentos já foram realizados: leitura ou redaçãode cartas, preenchimento de formulários e até confecçãode currículos profissionais, tudo de graça.Oestado de São Paulo concentra 10,5% do total de analfabetos dopaís (14 milhões). De acordo com o Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), 1,49milhão de brasileiros com mais de 15 anos que não sabemler e escrever vivem na região. Em números absolutos, o estado só ficaatrás da Bahia (1,88 milhão) no ranking nacionaldo número de analfabetos.Clarisse Mendonça Aun,83 anos, é uma das voluntárias do Escreve Cartas ecoordena as equipes de atendimento. Segundo ela, o caso de Cíceraé comum, mas há outros em que a pessoa mal reconhece asletras. “Vem gente aqui que não sabe nem escrever o nome”,diz ela. “Tem moço bem articulado que vem pedir para a gentepreencher formulário para CPF.”Nilza da SilvaNovaes, 26 anos, é um exemplo de jovem que procura ajuda doprograma Escreve Cartas. Ela chegouao Poupatempo afirmando que queria imprimir um currículo, jáque lá a impressão é grátis. Minutosdepois, questionada pela reportagem, ela afirmou que não lênem escreve muito bem. "Dá vergonha, né?Mas...”Baiana de Paramirim, Nilza estudou até a 6ªsérie do ensino fundamental. Chegou a São Paulo emdezembro em busca de um emprego e sabe que o fato de não ter odomínio pleno da leitura e da escrita “atrapalha, e muito”a concretização de seus planos.Ela, no entanto,afirma que os cuidados com a casa e o filho tiram a vontade deestudar novamente. Mesmo arrependida por ter deixado a escola, admiteque não deve voltar a estudar nos próximos meses.Para a professora Maria deLurdes Valino, integrantedo Grupo de Estudos sobre Alfabetização e Letramento daUniversidade de São Paulo (Geal-USP), o perfil do analfabeto estámudando. “Temos uma população grande de jovens quedeixam a escola sem saber ler nem escrever.” Orientadorpedagógico e professor de turmas de educação dejovens e adultos (EJA) há 20 anos, Carlos Alberto Daniel dosSantos também já notou o aumento da presença dejovens em turmas de alfabetização. Para ele, a máqualidade do ensino público está criando uma população que não é capaz de compreendero que lê, os chamados analfabetos funcionais. “Nossa atuação[na EJA] deveria acabar, mas está aumentando”,aponta.A voluntária do Escreve Cartas diz que sempredá conselhos sobre a importância de se voltar para aescola. Ela afirma que gostaria de ver implementada uma açãoque pudesse aproveitar a presença dessas pessoas no local ondefunciona o programa e já direcioná-las para turmas deeducação de jovens e adultos. “Tinha que existir umaforma de pegar todo este povo e pôr na escola na hora, no diaem que vem aqui.”