Idade avançada é entrave para superar analfabetismo, apontam especialistas

12/05/2009 - 10h16

Amanda Cieglinski*
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A idade avançada do analfabeto brasileiro é apontada, tanto por especialistas como pelo governo, como um dos principais entraves para superar o problema. A idade média da parcela da população que não sabe ler e escrever é 54 anos. Se a taxa de analfabetismo no país hoje é de 10%, na faixa etária acima dos 65 anos o percentual sobe para 31%. Entre os brasileiros de 47 a 55 anos, o índice é quase o dobro da média nacional: 19,5%.A professora da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em educação de jovens e adultos Maria Clara Di Pierro afirma que a persistência do problema em idade avançada faz com que o ritmo da redução do analfabetismo continue muito lento.“Nos grupos mais jovens o analfabetismo teve uma redução importante nas últimas décadas graças à expansão do acesso à escola pública. Mas é muito mais difícil eliminá-lo na medida em que você vai diminuindo os números, especialmente quando você chega a índices inferiores a 10% e a patamares residuais, abaixo de 5%”, analisa.Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros, as reduções recentes das taxas de analfabetismo ocorreram não porque os brasileiros mais velhos aprenderam a ler e a escrever, mas porque esses idosos morreram.“A taxa de analfabetismo cai fundamentalmente entre os adultos por questões demográficas. Esse analfabetismo que foi criado no passado se mantém porque é muito difícil e caro educar adultos. Esse é um analfabetismo que é triste e sobre o qual a gente tem pouco poder de ação”, acrescenta.Medeiros acredita que o próprio movimento demográfico vai ajudar a reduzir as taxas no futuro. “Os adultos analfabetos que foram produzidos no passado são em número muito maior do que a produção de analfabetos de hoje. Atualmente as crianças vão para a escola muito mais do que no passado, então naturalmente vai ocorrer uma queda sistemática da taxa de analfabetismo”, analisa.Aos 88 anos, o aposentado José Rodrigues Reina, morador de São Paulo, contraria as estatísticas. Há um ano, ele voltou a estudar em uma turma de alfabetização da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e garante que não lhe falta disposição para frequentar o curso.Ainda criança, Reina começou a trabalhar nas lavouras de Santa Ernestina, no interior do estado, cidade em que, segundo ele, quase ninguém era alfabetizado. O aposentado conta que teve curiosidade de aprender a ler, mas o pai dele achava que “casa cheia de mantimento é melhor do que estudo”.Ele chegou a estudar sozinho, escondido do pai. Conseguiu aprender algumas palavras que o ajudaram, quando chegou à capital paulista, em 1945, a pegar o bonde correto para chegar às fábricas em que trabalhou. Hoje é um dos alunos mais dedicados da turma. Não falta um dia, faz todas as tarefas de casa, e tem progredido bastante.Mas, se José Reina tem disposição para continuar estudando, para muitos adultos que voltaram às salas de aula é difícil ter o mesmo comprometimento. O índice de evasão nas turmas de educação de jovens e adultos é sempre alto. Muitos deixam de frequentar os cursos porque não conseguem conciliar atividades cotidianas com os livros.“Essa evasão tem fatores extraescolares e propriamente escolares sempre atuando em conjunto. Ele abandona a escola em função da saúde ou porque a filha arrumou um emprego e ele precisa cuidar do neto. Ou ainda porque arrumou um bico à noite, vários fatores influenciam”, diz a especialista Maria Clara.A professora avalia que, mesmo com todas as dificuldades para estimular os adultos a aprender a ler e escrever, o problema do analfabetismo nessa parcela da população não pode ser ignorado.“Essa lógica só da renovação demográfica, de esperar que os velhos morram, não é uma lógica do direito. É preciso pensar que a educação de adultos não é uma coisa que vai acabar depois de amanhã, e que, portanto, você tem que investir para ter estrutura, formar professores, ter qualidade, ter serviços que não sejam tão efêmeros como são as campanhas.”O presidente da organização não governamental Ação Educativa, Sérgio Haddad, defende que é preciso pensar em estratégias específicas para atrair esse público que, em sua maioria, não tem mais a educação como uma prioridade.“São pessoas que, de certa forma, não se submeteriam a um programa de alfabetização que não tivesse uma perspectiva de atender a sua necessidade de pessoa com mais de 50 anos. [É preciso criar] Programas com conteúdos do seu interesse, que eles vissem isso como uma necessidade, porque é um sacrifício para essas pessoas, depois de um dia de trabalho, passar por programas de escolarização que não têm uma imediata relação com a sua própria vida”, afirma.