Analfabetismo funcional é mais um desafio que o Brasil precisa enfrentar

12/05/2009 - 10h31

Amanda Cieglinski*
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Além de reduzir o percentual de brasileirosque não sabem ler e escrever (10%), o país tem odesafio de combater o chamado analfabetismo funcional, que atinge 25%da população com mais de 15 anos, de acordo com aúltima Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Hádiversos conceitos para classificar o analfabeto funcional. Para aOrganização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco), éo indivíduo com menos de quatro anos de estudo completos.Oanalfabeto funcional, em geral, lê e escreve frases simples,mas não é capaz de interpretar textos e colocar idéiasno papel.“Decerta forma, eu avalio que é um problema maior do que oanalfabetismo absoluto, porque este vem sendo reduzido. Mas oanalfabetismo funcional só cresce”, avalia a diretoraexecutiva do Instituto Paulo Montenegro (IPM), Ana Lúcia Lima.OIPM, que é um braço do Ibope, criou em 2001 o Indicadorde Alfabetismo Funcional (Inaf), em parceria com aorganização não governamental AçãoEducativa. O índice mede os níveis de analfabetismofuncional na população entre 15 e 64 anos. Para isso,de dois em dois anos, são aplicados testes e questionáriosa cerca de 2 mil pessoas em todas as regiões do país.OInaf divide a população em quatro níveis,de acordo com suas habilidades em letramento e matemática:analfabetismo, alfabetismo rudimentar, alfabetismo básico ealfabetismo pleno. Segundo o Inaf de 2007, 7% dos brasileirossão analfabetos e 21% têm habilidades rudimentares, ouseja, são capazes de localizar uma informaçãoexplícita em textos curtos, mas não conseguemcompreender textos, tirar conclusões ou ler números nacasa dos milhões.Ostestes do Inaf simulam atividades do dia a dia comointerpretação de uma notícia de jornal, leiturade um anúncio de emprego ou cálculos de percentuaissimples. “Essa avaliação é para mostrarjustamente como está a nossa sociedade em termos do principallegado que a escola deixa: a capacidade de o sujeito transitar pelacultura escrita com autonomia”, explica a pesquisadora VeraMasagão, da ONG Ação Educativa.Apesarde dominar minimamente a escrita, a leitura e a matemática, oanalfabeto funcional tem limitações que dificultamatividades simples do cotidiano, além de prejudicar a suainserção no mercado de trabalho e em outrasesferas.Foi a necessidade de “aprender a ler e escreverdireito” que levou a empregada doméstica Marileia Ferreira,34 anos, a retomar os estudos, depois de passar muitos anos afastadada sala de aula. Ela havia frequentado a escola quando era criança,no interior do Maranhão, e hoje está matriculada em umaturma de educação de jovens e adultos no DistritoFederal.“Euchegava a chorar de decepção. Eu estava na parada e não conseguia ler a placa do ônibus.Tinha muita vergonha, mas hoje melhorei e já leio bastante.Fico muito feliz por isso”, conta a moradora da cidade de SantaMaria, no Entorno de Brasília.Parao presidente da Ação Educativa, Sérgio Haddad, oanalfabetismo funcional é um fenômeno novo, que se deve,principalmente, à baixa qualidade do ensino público.“Esseé um fenômeno recente porque antes não existia odireito à escola. Ou seja, antes as pessoas nãopassavam pela escola, agora elas passam, mas a qualidade é tãoruim que, na verdade, elas passam e não adquirem osconhecimentos necessários. Elas têm noçõesde leitura e escrita, mas não o suficiente para utilizar noseu cotidiano”, critica.Naavaliação dele, é preciso encerrar o problemacom a garantia de educação de qualidade para que ascrianças e os jovens saiam da escola com domínio plenoda leitura e da escrita. “Precisamosmelhorar bastante a qualidade da escola para que não seproduzam mais analfabetos funcionais como a gente vem fazendo. Atorneira continua vazando”, acredita.Alémda falta de qualidade do ensino, a pesquisadora Vera Masagãoaponta o baixo número de anos de estudo da populaçãocomo fator determinante para o analfabetismo funcional.

“A maioriadas pessoas está saindo da escola sem completar sequer oensino fundamental. Para o sujeito ser um usuário da leitura eda escrita, entender alguma coisa, não basta o beabá.Ele precisa se socializar nesse universo de cultura escrita e paraisso é necessária uma escolarização maisalongada.”Paraa diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, alfabetizar ascrianças atualmente é mais difícil do que há20 anos. "Oacesso [ao ensino] está garantindo, mas tem a questãoda qualidade. Essas pessoas que estão entrando agora na escolasão frutos de famílias que não tiveram essaoportunidade, por isso o desafio da escola é ainda maior. Odéficit já vem da origem”, observa.AnaLúcia defende que a redução dos índicesde analfabetismo funcional é essencial para “cuidar daspróximas gerações”.