O leitor conduz o debate

08/05/2009 - 9h44

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Algumas mensagens recebidas nos últimos dias estimulam o debate em torno dasinformações produzidas pela Agência Brasil e dos comentáriosfeitos por esta Ouvidoria. Toque de recolherO leitor Claudio Lauro escreveu protestando sobre o conteúdo de nossa ultimacoluna: Como se constrói um preconceito: toque de recolher para ajuventude. Segundo ele "Aqueles quesão contra não têm argumentos ou os argumentos são muito fracos ou até desviamo foco. Por acaso, uma criança ou um adolescente pode, caso queira, ficar até ahora que quiser na rua? O menor tem direito de ir e vir, fazer o que quiser?Oras, não é a própria lei que diz que o menor de idade NÃO É RESPONSAVEL POR SIMESMO? Não é a própria lei que diz que o menor NÃO RESPONDE POR SEUS ATOS?Então, que direito de ir e vir éesse? Só um exemplo: o que uma criança ou adolescente, em idade estudantil vaifazer na rua durante a semana após a meia-noite?O TOQUE DE RECOLHER  vai acabar com a criminalidade? Claro, que não. NADAvai acabar com a criminalidade. Sempre haverá nas sociedades a criminalidade.Esta é uma norma com o objetivo de educar, de dar limites às crianças eadolescentes, já que estes NÃO respondem por seus atos. A função de educar osfilhos não é só dos pais, mas também da sociedade como um todo. A princípio, se inicia em casa, mas a escola e o convívio em sociedade vão educando os jovens que têm que seadequar às leis e às normas existentes. Causa-me muita estranheza órgãos quedizem defender crianças e adolescentes irem contra o TOQUE de RECOLHER. Sabemoshoje, que na maioria das famílias os pais não conseguem impor limites aosjovens. E, por isso, os perigosestão todos aí nas ruas. Drogas, assédios, assaltos, maus comportamentos  etc. Um menor de idade deve, sim, ter horário pra chegar em casa, eesta lei vem pra contribuir pra que isso aconteça. Crianças e adolescentesdevem ter proteção dos pais e do Estado. O Toque de Recolher é uma ótimainiciativa, mais 90% dos pais são a favor. E isto é o que deveria importarmais. O lugar de jovens à noite é asua casa. É chegar em casa cedo, ter mais convívio com os pais, dormir cedopara enfrentar com disposição o dia de aula seguinte."Quanto às considerações do leitor achamos importante salientar que em nenhummomento esta Ouvidoria se posicionou a favor ou contra a determinação judicial,pois não é nossa função emitir opinião.  Apenas nos limitamos a analisar aforma como o assunto foi abordado pela Agência Brasil e apossibilidade das informações estarem induzindo o leitor a tomar partido afavor da medida, uma vez que não foram ouvidas fontes que contextualizassem oassunto de forma mais ampla, dentro dos preceitos constitucionais e do Estatutoda Criança e do Adolescente, por exemplo. Procuramos também ressaltar aresponsabilidade da mídia em geral ao conduzir esse debate, podendo,eventualmente, contribuir para a construção de um preconceito social contra ajuventude.  Por outro lado, o leitorfornece em sua mensagem argumentos que justificam a razão de nossa perguntasobre o papel do Estado e da sociedade na educação dos jovens: "Umadentre outras numerosas possíveis abordagens da questão por uma agência públicade notícias seria verificar como anda a execução das políticas públicas para ainfância e adolescência nos municípios citados nas matérias. Afinal, a medidado juiz também não deve ser interpretada como um indicador de que elas falharame de que o Estado está desistindo de educar e prevenir a violência, preferindo punir indiscriminadamente?".Cabe ainda lembrar ao leitor que,se o jovem não é responsável por seus atos perante a lei, isso não significa que seus direitos fundamentais de cidadão nãodevam ser respeitados, pois perante a mesma lei, somos cidadãos desde quenascemos. "Piratas" da Somália A leitora Vera Rubia Nunes enviou uma mensagem perguntando: "Seráque esses piratas são mesmo o que os ingleses pintam?", referindo-seà matéria Navio ucraniano saído doBrasil é seqüestrado por piratas somalis, publicada no dia 3 demaio. Apesar de a EBC manter correspondente no Continente Africano,a notícia foi elaborada com base em informações fornecidas pela BBC Brasil.Além da agência britânica, a quase totalidade da cobertura da mídia sobre oassunto é pautada por agências noticiosas internacionais como  Reuteurs, Associated Press, AFP, France Pressee a espanhola EFE.Ou seja, as visões eurocêntricas e norte-americanas prevalecem e abordam aquestão do ponto de vista dos interesses dessas nações. Essas agências tratamos somalis como "piratas",  bandidos e terroristas queatrapalham o comércio internacional ao sequestrarem navios que passam pelaregião. Os motivos para proceder desta maneira não são esclarecidos. No entanto, um repórter do jornal inglês The Independent, publicouuma matéria (*) em janeiro deste ano dando conta de algumasrazões para os ataques somalis. Ao ouvir o outro lado da questão, coisa que amídia em geral não se preocupou em fazer,ele apurou que os protestos são uma resposta ao fato de navios estaremdespejando lixo atômico, químico e industrial de empresas européias enorte-americanas nos mares daquele país, além de terem suas águas territoriaisinvadidas por grandes barcos pesqueiros de outras nações, que sugam e destroem a fauna marítima, principal fonte desobrevivência de milhares de pescadores artesanais. Sobre o assunto, com um pouco de paciência e busca pudemos localizar oartigo(**) Somália: A Armada não É Soluçãopublicado num site somali, dando conta da situação política eeconômica daquele país, que vive em guerra civil há 18anos. Além de mostrar as dificuldades por que passa o Estado, administrado porum governo provisório, o artigo levanta dúvidas sobre a legitimidade dosgovernantes para tratar dessa e de outras questões relativas à soberanianacional: "Contudo, exceto alguns poucos veículos (por exemplo, a redeCBC TV do Canadá), nenhum jornal ou jornalista está investigando para informaras verdadeiras causas que se ocultam na pirataria na Somália. Entre essascausas nunca investigadas pelos jornais e jornalistas estão o fracasso doEstado, a pesca ilegal, os depósitos clandestinos de lixo nuclear, a miséria eoutras e outras."Portanto, entendemos que o fato de haveroutras versões, diferentes da apresentada pela BBC Brasil, motivou apergunta da leitora sobre a notícia da AgênciaBrasilDia do Trabalho ou do Trabalhador?A leitora Tânia Mara, professora, enviou a seguinte mensagem: "Ouvidor,por favor faça uma avaliação da cobertura do Dia Internacional do Trabalhador.Que a mídia comercial queria apagar dos corações e mentes dos trabalhadores queo dia é nosso - da classe trabalhadora e não da classe burguesa, queira dizerque é Dia do Trabalho, que o dia é para comemorar o "trabalho" e nãoum dia para "reafirmar a luta dos trabalhadores", nós até entendemos.Mas que uma agência pública de comunicação faça isso é prejudicar oentendimento dos cidadãos e simplesmente ignorar que a sociedade é dividida emclasses."Atendendo ao pedido fizemos a análise da cobertura e uma pergunta nos veio àmente: no próximo domingo, dia 10 de maio, comemoraremos o Dia das Mães ou o Dia da Maternidade?A ABr publicou 15 matérias entre os dias 28 de abril e 3 demaio utilizando 18 vezes o termo Dia do Trabalho, três vezes Dia do Trabalhador,  e ainda Dia Internacional do Trabalhador, trêsvezes. Nenhuma das formas é oficial, pois na relação de feriados divulgada peloMinistério do Planejamento o termo correto seria  Dia Mundial do Trabalho.Lembramos que, durante a ditadura,  os militares trabalharam duro no sentido dedescaracterizar a data como um dia de protesto e de reflexão sobre as condiçõesde vida da classe trabalhadora, sentido este ao qual a leitora se referiu, e que, ao que parece, também foiesquecido pelas entidades sindicais desde a década de 90. Um sintoma disso nãoseria o fato de transformarem as manifestações em shows  comartistas famosos e sorteios de variados prêmios para quem comparecesse aosatos? Não seria esse também um sintoma de falta de legitimidade dos sindicatospara mobilizar os trabalhadores em torno de seus reais interesses de classe?Apesar da ausência desse contexto na cobertura da ABr, a faltade um conteúdo mais substancial talvez deva ser atribuído ao próprioesvaziamento e transfiguração do sentido da data promovidos pela liderançasindical com eventos muito mais folclóricos do que reivindicatórios, muito maisde entretenimento do que de reflexão e protesto.   Talvez a leitora provavelmente esperasse encontrar na cobertura da agênciapública não somente os fatos, a cobertura da efeméride, mas o processohistórico da luta da classe trabalhadora, lembrando o verdadeiro sentido dadata e que promovesse o debate sobre os possíveis "desvios" oumudanças de rumo, cumprindo com sua função e contribuindo para formar cidadãoscríticos.Na matéria Dia do Trabalho écomemorado com manifestações culturais e políticas pelo país, a AgênciaBrasil informava que: "No Rio de Janeiro, o ato unificadoentre seis centrais sindicais será realizado na Quinta da Boa Vista, a partirdas 10h. Além dos shows de Beth Carvalho, Diogo Nogueira e Dudu Nobre, tambémhaverá uma manifestação política promovida por sindicatos filiados, dirigentese militantes." Recorremos então à matéria Riocomemora Dia do Trabalho com samba e cidadania, quedeveria dar conta da "manifestação política" citada nanotícia acima. O que encontramos foi o seguinte: "O 1º de Maio no Riode Janeiro é comemorado com atividades de lazer e serviços gratuitos àpopulação. Os jardins da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, antigaresidência da Família Imperial Brasileira, serviram de palco para uma série deações culturais e de cidadania. Quem participou da festa pôde tirar documentos,concorrer a vagas de empregos, consultar saldos do seguro desemprego e abonosalarial em estandes do Ministério do Trabalho e Emprego. A tenda com sessõesgratuitas de massagem era uma das mais requisitas, mas o estande mais procuradodurante todo o dia foi o de encaminhamento para 2 mil vagas deemprego."  Portanto o leitor ficará sem saber se ostrabalhadores desistiram da "manifestação política" ou se foi apenas a ABr que desistiu denoticiá-la. Será que, neste momento, em que atravessamosuma crise mundial do sistema capitalista e das relações capital-trabalho, adata não deveria servir para a classe trabalhadora rever seu papel, revisitar ahistória das festividades e sua responsabilidade na gestação da crise, seja poração ou, principalmente, por omissão? Nos últimos 20 anos parte do empresariadocumpriu   seu papel,concentrando renda, acumulando capital e especulando no mercado financeiro. E aclasse trabalhadora? Essas são apenas algumas das possíveis perguntas para asquais a ABrpoderia terbuscado respostas, permitindo aosseus leitores conduzirem o debate. Em resposta àleitora a Agência Brasil disse:"Sobre o comentário da leitora, mandamos abaixo os links do materialpublicado no dia 1 de maio. Também seguem os links de um material publicado nodia 2 de maio. Por último, está o link de entrevista com o sociólogo RicardoAntunes, veiculada no dia 25 de abril, uma semana antes do Dia do Trabalho.Recomendamos ainda à leitora uma visita à série  Crise: o que Fazer', na qual mostramos comovárias regiões do país estão enfrentando os efeitos de criseinternacional."Até a próximasemana.(*) - Johann Hari:Estão-nos mentindo sobre os piratas, The Independent, UK, 5/1/2009(**) - Muuse Yuusuf: Somália: A Armada não é solução.  Vertambém, com informação sobre o mesmo assunto, "Piracy in Somalia: An Actof Terrorism or a Territorial Defense Mechanism?", WardheerNews,Editorial, 7/12/2008, em http://wardheernews.com/Editorial/editorial_54.html