Indefinição sobre missão de polícias provoca "acordo de cavalheiros", alerta antropóloga

07/05/2009 - 21h32

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A indefinição sobre amissão de cada polícia no Brasil faz com que as investigaçõessobre diversos crimes fiquem subordinados a "acordos decavalheiros", na avaliação da antropóloga Jacqueline Muniz,professora da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro eex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça. A investigação sobreo suposto esquema de corrupção envolvendo funcionários do Senado eparlamentares é um exemplo de conflito provocado pela falta dedefinição sobre a competência de cada polícia.“A falta deregras claras faz com que as negociações ocorram caso a caso o quefaz prevalecer a lógica do favor e do clientelismo”, alerta aantropóloga que também integra a Rede de Policiais e SociedadeCivil da América Latina e o Fórum Brasileiro de SegurançaPública.Mesmo contendo indíciosde malversação de recursos públicos da União, a Polícia Federalnão abriu inquérito para investigar as suspeitas de corrupção noSenado. As apurações estão nas mãos da Polícia Legislativa, queabriu um procedimento, a pedido do presidente do Senado, José Sarney(PMDB-AP)."Como não existeuma definição da missão de cada polícia, o que vigora são osacordos de cavalheiros. No Brasil, diz-se que o policial não temresponsabilidade, só tem culpa. Entre nós, a identificação daresponsabilidade formal sobre a conduta ou sobre o resultado da açãopolicial é dramaticamente difusa. Ela nem é claramente atribuídaaos vários níveis hierárquicos, nem transparente em sua aplicação.O fato é que a responsabilização policial se encontra numverdadeiro limbo institucional e social", critica.A “solução caseira”adotada foi alvo de críticas dos próprios senadores na tarde dehoje (7), no plenário do Senado, principalmente em relação à tomadade depoimento do casal Denise e João Carlos Zoghbi. Ele é ex-diretor de Recursos Humanos do Senado e suspeito de intermediar um esquema de corrupção envolvendo instituições financeiras que trabalhavam com crédito consignado em folha para funcionários do legislativo. Zoghbi e sua mulher também fizeram acusações envolvendo o ex-diretor geral do Senado Agaciel Maia, além de dois senadores, Romeu Tuma (PTB-SP) e Efraim de Morais (DEM-PB).“Em qualquerdelegacia de bairro, sabe-se que não se toma depoimento detestemunhas de forma conjunta. Ouve-se um e depois o outro. Trata-sede um procedimento básico. Deixar falar os dois juntos, é nãoquerer saber a verdade”, afirmou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).“Foi uma fraude ounão esse depoimento?”, questionou Artur Virgílio (PSDB-AM). “Alémdisso, me parece estranho ver subalterno ouvindo seu superiorhierárquico”, destacou o tucano que recebeu apoio do senadorCristovam Buarque (PDT-DF) que ainda fez uma auto-crítica diantedos sucessivos escândalos envolvendo o Congresso. “Acho que nósnão gozamos de credibilidade para apurarmos nossos próprios errosnesse momento”, disse Buarque.Raramente se vê aPolícia do Senado, que tem uma capacitação voltada para trabalhosde segurança do órgão, atuar em investigações. O ministro daJustiça, Tarso Genro, afirmou nessa semana que a Polícia Federalainda não havia recebido nenhum pedido de investigação nem doSenado, nem da Procuradoria Geral da República, nem do SupremoTribunal Federal (STF) e destacou que a Polícia Federal está atenta edisposta a colaborar com a Polícia Legislativa.Na tarde de hoje (7), o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sugeriu que se façaum pedido ao procurador geral da República para que ele peça umaapuração do caso. “Não sei se com o apoio a Polícia Federal,mas acho que uma investigação externa, isenta, é necessária”,destacou.De acordo com JacquelineMuniz, diante da falta de regras claras, os gestores e políticosacabam fazendo uso do formalismo das habilidades constitucionais emseus discursos, seja para justificar a entrada ou a não entrada deuma instituição em determinada investigação. Ela aponta que asolução para o problema é simples.“O primeiro passo éfazer transparente o conteúdo da ação policial. É tornarpúblicos quais são os procedimentos policiais legais e legítimos.Ainda uma vez: sabermos o que é que os policiais, nocumprimento do seu dever, podem esperar e demandar de cada um de nós,e o que nós podemos esperar e demandar da nossa polícia”, explicaJacqueline Muniz. “Do contrário, o que ocorre é que o poder depolícia, que é um poder atribuído pela sociedade, passa a ser umcheque em branco. Ninguém é responsabilizado”, destacou.