Olho d'água no Catetinho foi inspiração para clássico da Bossa Nova

20/04/2009 - 1h02

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Em junho de 1959, a dupla Tom Jobim e Viniciusde Moraes se hospedou por dez dias noCatetinho - para compor a Sinfonia da Alvorada, mais tardeconhecida como Sinfonia de Brasília. A vontade de JuscelinoKubitschek era ter o espetáculo pronto antes de 21 de abril doano seguinte, dia marcado para a nova capital nascer. A idéiaera, segundo relato de Vinicius, “criar um espetáculo de'som e luzes' para Brasília, à maneira dos que são feitos na França em Versailles, Fontainebleau e outroscastelos”.

Como aencenação do Orfeu da Conceição, aencomenda de JK reuniria a poesia de Vinicius (responsávelpelo texto do coral), a música de Tom (já em esboçodesde 1958), e os cenários de Oscar Niemeyer (cenógrafodo espetáculo que antecedeu a Bossa Nova), criador dos prédiose monumentos da Praça dos Três Poderes, que seria palcopara o “empreendimento”, como nomeia Vinicius de Moraes nacrônica Brasília: o Nascimento de uma Cidade ou Comose Faz um Poema Sinfônico (publicada recentemente no livro Samba Falado, da editora Beco do Azougue). Oespetáculo só veio a ser encenado dez anos após a morte de Juscelino e seis depois da morte deVinicius de Moraes, em 1986. Brasília, então com 26 anos,finalmente ouviu sua sinfonia sob a regência de Alceu Bocchino,com Radamés Gnattali ao piano e Tom Jobim e Susana de Moraes(filha de Vinicius) lendo o texto do poeta.

A peçaerudita e quase inédita, no entanto, tem uma irmãpopular e está entre as mais executadas do cancioneiro da Bossa Nova. Afamosa Água de Beber (cantada até por FrankSinatra) foi composta por causa daqueles dias de Catetinho, sob ainspiração de um “lindo olho d'água que brotava no capão do mato”, como descreveu Vinicius em suacrônica.

A música,um samba, é uma típica canção de Vinicius,que reafirma convicções sobreo amor: o medo pode matar o seu coração; a minha casa vive aberta, abri todas as portas do coração.

De acordocom Paulo Jobim, filho mais velho de Tom, o pai gostava muita dacanção e costumava abrir os shows com ela. “A letra émeio doida”, brinca ao dizer que o autor conseguiu juntar questõessentimentais - “o Vinicius gostava dessa coisa dramática”- com um tema que parece folclore.

Para ojornalista José Castello, biógrafo de Vinicius de Moraes, ascitações do poeta “não eram gratuitas”, Ele vê traços na canção que antecede osafro-sambas que, mais tarde, o poeta iria compor com BadenPowell. Para Castello, a defesa do amor ouvida na letra de Viniciusera uma questão de “entrega”, que lhe exigia “quase umametamorfose”, assinala. “Vinicius afirmava o amor como um ato decoragem”, lembra.

Ao finalda crônica, escrita em 1961 sobre a Sinfonia da Alvorada, opoeta confessa mais sentimentos e a esperança quanto a um novopaís que pudesse brotar. Na sinfonia, revelava “oamor pela obra, diretamente equacionada pela nossa confiançano futuro de Brasília e do Brasil”.