Movimentos ainda cobram punição de agentes públicos pelo Massacre de Carajás

17/04/2009 - 7h39

Marco Antonio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Passados 13 anos, uma das ações policiais mais violentas registradas no meiorural ainda deixa seqüelas e sentimentos contrastantespara quem a vivenciou. Em 17 de abril de 1996, a PolíciaMilitar do Pará entrou em confronto com um grupo de 1.500trabalhadores sem terra acampados no sul do estado. Oobjetivo era tirá-los do local e desobstruir a Rodovia PA-150, ocupada em um protesto do movimento contra a demora nadesapropriação de terras para reforma agrária .Até hoje, ninguém foi efetivamenteresponsabilizado pela ação que resultou na morte de 19militantes, centenas de feridos e que ficou conhecida como Massacre deEldorado dos Carajás. Dos 144 policiais queresponderam a processos, 142 foram absolvidos e apenas doiscondenados. Estes ainda estão em liberdade. São eles ocoronel Mário Collares Pantoja e o major José MariaPereira de Oliveira, condenados a mais de 100 anos de prisão.Um recurso está há alguns anos sobavaliação da ministra Laurita Vaz , do SuperiorTribunal de Justiça (STJ). Cerca de 90 policiaisque participaram da ação foram, em setembro do anopassado, promovidos a cabo. O governador do estado à época,Almir Gabriel, o secretário de Segurança Pública,Paulo Sette Câmara, e o comandante-geral da PolíciaMilitar, Fabiano Lopes, não responderam judicialmente pelaatuação policial. A ausência de responsabilizaçãomais ampla gera o inconformismo dos movimentossociais. “Infelizmente, aimpunidade tem sido a marca principal da atuação daJustiça em relação aos crimes no campo no estadodo Pará. O Massacre de Carajás é um exemplotípico. Desde que foi instaurado o processo criminal, houve dificuldades impostas pelo Estado no sentido de fazer umainvestigação como deveria, para individualizarresponsabilidades e levar aos autos as provas necessárias para a condenação de todos aqueles que participaram domassacre”, criticou, em entrevista à Agência Brasil, o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará,José Batista Afonso, que acompanhou a tramitação docaso na Justiça. O desembargadoraposentado Otávio Marcelino Maciel, atual ouvidor agráriodo Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), que chegou aser juiz do caso no início do processo, não concorda que tenha havido impunidade. “Houve punição dos doisprincipais responsáveis, que poderiam ter evitado aquilo. Osdemais foram absolvidos porque a responsabilidade era doscomandantes. A própria sociedade, por meio dosintegrantes do Tribunal do Júri, assim entendeu”, argumentouMaciel. A primeira sessãodo Tribunal do Júri para julgamento dos réus em Belémocorreu em agosto de 1999, quando três oficiais foramabsolvidos. A sentença, entretanto, foi anulada pelo Tribunalde Justiça do Pará (TJ-PA) em 2000, com a nomeaçãode nova juíza para o caso. O julgamento foi retomado em maiode 2002 e resultou, após cinco sessões, nas 142absolvições e duas condenações. Em novembro de 2004, o TJ-PA ratificou a decisão. Contra ela foiajuizado recurso no STJ.O advogado da CPT alegou que a forma como foi feito o julgamento, com a situação de centenas de réus avaliada no mesmo momento, favoreceu aabsolvição. “Ficou quase impossível para osjurados estabelecer a relação de responsabilidade decada um daqueles que participaram. Mesmo que não pudesse serindividualizado, que pelo menos houvesse um número maior deseções e um número menor de acusados sentados nobanco dos réus, para facilitar a análise das provas”, afirmou Batista Afonso. O desembargador Maciel,entretanto, garante que um maior fracionamento não implicariaem resultado diferente do julgamento. “ Não vejo nenhummotivo para que fosse fracionado mais o julgamento. Isso nãoprocede, porque as provas analisadas em nada mudariam se fossemsubdivididas”A demora na apreciaçãodo recurso pelo STJ também revolta a CPT. “Mais uma vez, osúnicos dois condenados são favorecidos pela morosidadeda Justiça”, acrescentou o advogado. “Está na leique réu primário com bons antecedentes pode recorrer emliberdade. O Judiciário só cumpre a lei”, ressaltouo desembargador Otávio Maciel.Em abril de 2007, 22famílias de sem-terra vítimas do massacre forambeneficiadas com pensões especiais e indenizaçõesconcedidas pela atual governadora do estado, Ana Júlia Carepa.Os valores são variáveis e levam em conta os danosespecíficos sofridos. Mas ainda há viúvas epessoas mutiladas - algumas com balas alojadas no corpo, segundo oMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - que não receberam indenização e nem acessoa tratamento das seqüelas. O MST montou doisacampamentos esta semana no sul do Pará para relembrar o massacre e cobrar publicamente a responsabilização dosenvolvidos na operação policial de 13 anos atrás.Desde o início do mês, foram realizadas mobilizaçõescamponesas em oito estados e no Distrito Federal em memória dos19 trabalhadores assassinados. O Dia Internacional da Luta dos Camponeses é lembrado hoje.