A última visita do Anjo

03/04/2009 - 22h04

Tereza Cruvinel
Presidente da EBC
Brasília - Conviver com Marcio Moreira Alves foi um dos meus ganhos noJornalismo. Durante dez anos, enquanto eu escrevia a coluna da página 2 em OGlobo, ele escrevia a da página 4, revezando com Helena Chagas. Foi Marcito que, chegando a Brasilia evoltando a circular pelo Congresso, de onde saíra cassado e voltava comocolunista, batizou aquilo que nós, jornalistas políticos, identificávamos masnão conseguíamos nominar: o baixo clero, a grande massa de deputados quegravitava na periferia do processo político-parlamentar. A expressão pegou. Foitambém Marcito que chamou a atenção para uma conjuntura inédita do jornalismopolítico, espaço historicamente dominado pelos homens. Muitas vezes ele sereferiu ao “matriarcado” das mulheres no jornalismo político, apontando aexistência de um grupo de jornalistas formadoras da opinião política: além demim, Eliane Cantanhede, Helena Chagas, Dora Kramer, Cristiana Lobo,  Diana Fernandes, então minha interina,  Denise Rothemburg, entre outras. Devemos aele este reconhecimento público de nossa afirmação profissional.Perdemos Marcito nestes tempo em que impera a máxima “badnews is good news” (notícia boa é notícia ruim), o que me faz lembrar de seus“Sábados Azuis”. Todo sábado, ele dedicava sua coluna à narração de um fatopositivo, uma experiência construtiva para a cidadania e a superação de nossasmazelas, por ele testemunhada em algum lugar do Brasil profundo. Se não meengano, foi também ele que popularizou esta expressão. Marcio morava no Hotel Saint Paul, e me arrastava depois doexpediente para tomar sopa com ele, Madalena e outros amigos. Jantávamos muito na casa de nossa comumamiga Maria Helena Neves, diplomataportuguesa em cuja casa ele pontificava contando saborosas histórias do exílio. Outra casa em que pontificava era na de VeraBrant, com seu salão sempre repleto de inteligências. Quando o hoje ministro Franklin Martins era diretor da sucursalde O Globo, fazia em sua casa muitos jantares de trabalho, em torno de alguma“fonte”. O danado era que Marcito, com sua prosa agradável, muitas vezesroubava a cena e falava tanto ou mais que o convidado. Ele era um grandecontador de histórias. Não gostava, entretanto, de falar do discurso que deupretexto à ditadura para baixar o AI-5.Há 12 anos, festejamos seus 60 anos em um restaurante deBrasilia, um grupo de 8 amigos e pela primeira vez o vi falar da morte, ele queparecia sentir-se eterno, dono de uma história e de uma vida tão intensas. Menos de dois anos depois ele teve oprimeiro AVC, início de um processo que o faria definhar gradualmente. Eu e Helena fomos visitá-lo no SarahKubitscheck, onde Dr. Campos da Paz dele cuidara com competência de médico e carinho de amigo. De volta ao trabalho, ele escreveu acomovente coluna “A visita do Anjo”, em que falou do AVC lembrando os versos deVioleta Parra em Gracias a La Vida: “Foi nos versos de Violeta que pensei na terça-feirapassada, quando a asa do anjo que a todos nós virá buscar um dia roçou minhacabeça. Estava no Auditório Nereu Ramos, na Câmara, onde assistia à entrega doprêmio que a Fundação Abrinq distribui a 20 municípios que implementamprogramas de melhoria das condições de vida das suas crianças. Sem aviso prévioou dor alguma fiquei quase cego. A visão lateral desapareceu totalmente,substituída por um muro negro. Para a frente, enxergava por entre faixas pretase não conseguia ler sequer a capa do programa de premiação, impressa em letraspretas sobre fundo vermelho....”Desta vez o anjo o levou. Aprendi muito com Marcito, guardo dele lembranças muito especiais, alémdos souvenirs que me trazia de viagens.Guardo um par de óculos que ele deixava na mesa que compartilhamos noGlobo, e não levou quando voltou para o Rio. Quando os meus se quebram, buscoos óculos de Marcito. Quisera ver omundo com sua generosidade e coragem.