Brasil tem atraso de dois séculos no combate à burocracia, avalia especialista

17/03/2009 - 18h11

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - “A gente solicita avinda do fiscal, daí uma semana eles recebem a solicitação,depois mais duas semanas para o fiscal chegar, depois mais uma semanapara fazer a medição, enfim, no mínimo 90 diassão necessários antes da liberação doprimeiro recurso”, a reclamação é de EdmílsonJúnior, prefeito de Quixeramobim, município do sertãodo Ceará com quase 73 mil habitantes. Ele reclama do andamento de uma obra financiada com recursos federais. Para ele, a burocraciado Estado é sinônimo de “lentidão”.Quixeramobim éum dos seis municípios do Nordeste que seria beneficiado pelo Programa de Ação Social em Saneamento (PASS), custeado comrecursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que destinava-se àconstrução de rede de esgoto e água. No últimodia 8, o governo federal resolveu cancelar o programa e devolver aobanco R$ 134 milhões (US$ 57 milhões), depois dosrecursos ficarem parados por cinco anos.“Só conhecemos esseprojeto dois anos atrás e aí elaboramos um projeto quedemorou para ser aprovado. Foi um processo lento”, reclamou oprefeito.A queixa do prefeito é mais um caso no qual se pode perceber ossintomas de um Estado emperrado pela burocracia e que ainda nãoadotou práticas de gestão adotadas poralguns países desde o início do século 19, naopinião do coordenador jurídico do Movimento BrasilCompetitivo, José Augusto Castro.“Verificamos que háum atraso de dois séculos no Brasil em ações queprecisam ser implementadas para a melhoria da gestão pública.Temos uma agenda do século 19 que é o profissionalismono serviço público. São princípiosimplantados há dois séculos em outros países eque no Brasil ainda dependem de implementação”,considerou o diretor da organização que inclusive auxilia o governo federal no desenvolvimento de proposta para amelhoria da gestão.“O serviçopúblico, em termos de prestação de serviçose atenção à sociedade, carece deprofissionalismo. Isso tem melhorado com os concursos públicosque tendem a contratar pessoas mais qualificadas”, analisou.Além deQuixeramobim, também estavam no programa, Limoeiro doNorte, no Ceará, os municípios pernambucanos deIpojuca, Santa Cruz do Capiberibe e Surubim, e Assu, no Rio Grande doNorte. Somente Limoeiro do Norte teve as obras realizadas. Para JoséAugusto Castro, os motivos que emperraram a execução dofinanciamento não são casos isolados. Ocorrem comfreqüência e fazem parte do que precisa ser mudado paramelhorar a prestação de serviço àpopulação. “Esse projeto ficousem gestor, alguém que ficaria responsável pelasatribuições e faria com que ele acontecesse. Issoé um dos itens que precisa ser melhorado no país. Àsvezes se atribui a responsabilidade ao órgão e dentro dele não tem uma pessoa responsávelpara fazer a coisa andar. Às vezes em um determinado governo háuma liderança bem comprometida em fazer com que determinadoprojeto ande, mas quando ele passa para o nível de execução,para o nível bem burocrático mesmo, a coisa emperra,com o passar do tempo, a informação morre e o projetoacaba não andando”, considerou. “Essas anomaliasacabam acontecendo muito em função da forma que asinformações circulam em determinada instância dogoverno. Trata-se de um caso de financiamento estrangeiro de U$ 54milhões, que não saiu do papel e tivemos que devolver odinheiro. Sem dúvida, esse fato reflete falta de organizaçãoe burocracia”, completou. Além doprofissionalismo, para Castro, o serviçopúblico ainda carece dos princípios da eficiênciae do experimentalismo. “Não basta ser profissional. Énecessário que o Estado atinja os resultados que precisam seratingidos para prestar um bom serviço à população.Por mais que haja foco em tornar o serviço público cadavez mais interessante, do ponto de vista da qualidade, não háainda um trabalho mais rigoroso visando resultados. Não há ainda a preocupação deobter mais resultados com o menos recursos, que é o princípioda eficiência”, ressaltou.Já oexperimentalismo é um princípio mais recente implantadonas administrações mais modernas e, de acordo com coordenador jurídico, pode encerrar a solução de muitosproblemas registrados atualmente. “Seria experimentar novasparcerias com organizações da sociedade civil como umtodo para encontrarmos soluções inovadoras para agestão pública. Nós estamos muito presos aopassado. Nossa administração não émoderna. Ela é carregada de velhos vícios”,considerou.De acordo com oMinistério das Cidades, as obras que seriam realizadas nosseis municípios com recursos estrangeiros migraram para oPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC). “Assim,essas obras estarão com uma garantia muito maior de seremrealizadas pois o PAC é prioridade”, garantiu o diretor deArticulação da Secretaria de Saneamento do Ministério, Sérgio Gonçalves. Na próximasemana, o governo deverá anunciar o corte que fará noOrçamento da União. Mesmo assim, Gonçalves avalia que foi melhorpara os cofres públicos a devolução dos recursosinternacionais. “Manter esses recursos aqui tem um custo e éa União que paga por isso. Atualmente isso sai mais caro doque executar as obras com recursos do Orçamento”, defendeu.