Usuários de crack se sentem escravizados pela droga

14/03/2009 - 11h25

Da Agência Brasil

Brasília - O começo do vício é sempre parecido. Primeiro é o consumo de maconha, depois vem a cocaína. O crack é o próximo passo. Ele não escolhe cor, gênero, classe social ou religião. Com poder avassalador, invadiu a sociedade, quebrou regras, transpôs limites e escravizou milhares de pessoas.Há pessoas que acreditam ser mais fortes que o vício. Marcela, 30 anos, que usou crack por seis meses, é um exemplo. “Quando eu comecei, na primeira noite, pensei que fosse ter controle sobre isso, como eu tinha sobre a cocaína. Mas vi que, na segunda semana, já tinha perdido completamente o domínio, porque fazia isso 24 horas por dia”, diz.De família de classe média do Rio Grande do Sul e mãe de duas meninas, ela começou a consumir crack após a morte da mãe. “Minha família estava passando por uma turbulência e me aproveitei muito disso”, afirma. Marcela não estava sozinha, pois a irmã era sua companheira de uso, inclusive, era ela quem fazia o contato com traficantes. A compulsão pela droga era tão grande que Marcela desfalcou a empresa do pai, na qual também trabalhava, para comprar crack. Rodrigo, 34 anos, morador de uma favela de São Paulo, usou crack por quatro anos, o suficiente para levá-lo ao “fundo do poço”. Para conseguir a droga, ele roubava o dinheiro do comércio da mãe. “Ela tem um barzinho, e eu pegava muito dinheiro do caixa. Às vezes, ela tinha dinheiro no cofre e eu furtava para usar drogas”, disse.Rodrigo afirma que o efeito de apenas 15 segundos provoca sensações de poder e êxtase aos usuários. “O crack tem um poder muito grande de vício. Ele dá um prazer ilusório, dá vontade de querer sempre mais. É nessa vontade que você larga tudo de lado.”O crack é descrito pelos usuários como uma “droga egoísta”. Dependentes deixam aos poucos o convívio familiar, amigos e trabalho. Isolam-se. Até os companheiros de uso são abandonados. A vida social passa a não existir mais. E as alucinações provocadas pela paranóia pós-droga começam a atormentar. “O pânico com o crack é maior. Você se sente perseguido. Seus amigos e conhecidos parecem que viram seus inimigos”, revela Carla, 30 anos, que experimentou a droga em Brasília aos 28.O grito por socorro vem quando existe uma consciência da própria desmoralização. Os usuários entendem a realidade e, principalmente, o motivo que a levou ao consumo. “O que me fez buscar o tratamento foi a dor de perder o caráter. Perdi mulher, filhos, trabalho, amigos”, disse Maurício, 31 anos, ex-usuário em tratamento em Brasília. A recuperação é difícil. Exige acima de tudo determinação. Henrique França, coordenador de uma comunidade terapêutica em Brasília, acredita que a vontade de se recuperar tem de partir do próprio usuário. “Se alguém nos pede e deseja sinceramente se livrar das drogas, o problema dele passa a ser nosso. Se não quer, a gente não pode fazer nada”, argumenta.Existem pessoas que não conseguem se livrar do vício com apenas uma internação. É o caso do sul-mato-grossense Felipe, 32 anos, que começou a usar crack em Salvador há sete anos. Ele já foi internado 15 vezes. “Já andei o Brasil inteiro, já usei droga no país inteiro. Fui internado em São Paulo, Manaus, Recife. Não sei nem como consigo, hoje, depois de tudo que fiz, trocar idéias, fazer coisas.”Durante a última internação, Felipe disse que não consegue mais consumir crack sem se sentir culpado.“Quando a vontade é muito forte e eu vejo que não vou conseguir segurar, eu me interno, procuro ajuda porque eu tenho que começar de novo. Eu fico espantado, de vez em quando eu tenho esses pensamentos.”