Sem prevenção e repressão eficiente, crack avança em capitais e cidades médias brasileiras

11/03/2009 - 9h44

Marco Antonio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Naesteira do despreparo do poder público e da sociedade emrelação à prevenção, àrepressão e ao tratamento dos efeitos da droga, o consumo docrack avança com desenvoltura no Brasil e faz multiplicarrelatos de sua gravidade nas grandes capitais e cidades do interior.

Especialistasouvidos pela Agência Brasil apontam para uma possívelepidemia deste subproduto da cocaína, que provoca dependênciaagressiva, exclusão social do usuário e desagregaçãofamiliar, além de estimular a criminalidade. Estudorecente realizado em Salvador, São Paulo, Porto Alegre e noRio de Janeiro detectou um aumento do número de usuáriosde crack em tratamento ou internados em clínicas paraatendimento a dependentes de álcool e drogas. Eles respondempor 40% a 50% dos indivíduos em tratamento, dependendo daclínica e de sua localização. A idade médiados usuários de crack (31 anos) é inferior à dosdemais pacientes em tratamento (42 anos). Entre os dependentes destadroga, 52% são desempregados.

Olevantamento foi coordenado pelo psiquiatra Félix Kessler,vice-diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro daAssociação Brasileira de Estudos sobre Álcool eDrogas (Abead).

Nocotidiano de atendimento a dependentes em Porto Alegre, Kesslerressalta a presença forte da droga no interior.

"NoHospital São Pedro, o número de usuários decrack vindos do interior é muito grande. A cada dez pacientesque procuram a emergência psiquiátrica do hospital,cerca de sete são usuários de crack vindos dointerior", conta Kessler.EmMinas Gerais, municípios de médio porte, comoGovernador Valadares, Montes Claros, e Uberaba, apresentam hátrês anos índices elevados de homicídios entrejovens que coincidem com o aumento das apreensões de crack.SegundoLuís Sapori, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas emSegurança Pública da Pontifícia UniversidadeCatólica de Minas Gerais (PUC Minas), a droga tambémestá presente há dez anos em toda a regiãometropolitana de Belo Horizonte, com maior peso nas cidades deContagem, Betim, Ribeirão das Neves e Ibirité. Nacidade histórica de Ouro Preto, jovens que frequentam asrepúblicas estudantis admitem, em conversas reservadas, que ocrack também passou a ser consumido nos últimos anos."Podemosconcluir de forma categórica que o crack chegou ao interior deMinas Gerais. E não deve demorar a atingir municípioscom menos de 50 mil habitantes. Infelizmente o crack transformou-sena principal droga comercializada. Ele tem um elemento mercadológicoque supera em muito a cocaína", afirma Sapori, em alusãoao fato de o crack ter mercado consumidor mais amplo e provocar umadependência mais agressiva, que leva o usuário a gastarmais com o vício.NoCentro Mineiro de Toxicomania, unidade de atendimento ambulatorialmantida pelo governo estadual, há dez anos os dependentes decrack representavam 5% do total de atendimentos. Dados de 2008indicam que eles já respondem por 25% da demanda, superando osdependentes de cocaína e maconha.Caruaru,no agreste pernambucano, e Petrolina, no sertão próximoao Rio São Francisco, são pólos que congregamcinturões de cidades de menor porte e já apresentamclara expansão no mercado de crack."Sãoregiões onde o crack entrou nos últimos anos, e oproblema não é só da área metropolitana.O conceito de epidemia é uma metáfora instigante parapensarmos nesta explosão do crack em municípios demédio e grande porte no Brasil", avalia José LuizRatton, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Criminalidade,Violência e Políticas Públicas de Segurançada Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).NoRio de Janeiro, em favelas como Jacarezinho e Manguinhos, que eramhistoricamente livres do crack, há três anos formaram-secracolândias com a “benção” de criminososque viram, na droga, uma chance de ampliar seus lucros."Éimpressionante. A qualquer hora do dia, vemos crianças eadolescentes consumindo a droga e deitados no chão. Áreasdominadas pela facção Comando Vermelho passaram avender e isso vem como uma tsunami", descreve a sociólogaSílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurançae Cidadania da Universidade Cândido Mendes.NoDistrito Federal, pontos de comercialização estãoespalhados por praticamente todas as cidades satélites. Avenda acontece também na região central da cidade,próximo à Esplanada dos Ministérios.Emmeados da década de 1990, usuários de cocaína ecrack eram responsáveis por menos de um quinto da procura emserviços ambulatoriais relacionados a drogas ilícitas.Hoje eles respondem por 50% a 80% da demanda. Nos últimosanos, o crack também começou a ganhar terreno entregrupos com rendimentos mais elevados, apesar de a droga ainda sermais comum entre as classes de baixa renda.