Entrevista 2 - Sociedades amazônicas abrem um capítulo na história, diz Heckenberger

12/08/2007 - 15h16

Pedro Biondi
Enviado especial*
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - Neste segundotrecho de sua entrevista à AgênciaBrasil, o arqueólogo Michael Heckenberger diz que a aceitação da existênciade uma sociedade complexa no Xingu há pelo menos 1.100 anos encontraresistência porque forçaria pesquisadores a reverem seus modelos. “Esse eoutros grupos amazônicos estão abrindo um novo capítulo sobre a históriahumana”, avalia o pesquisador. Ele também destaca traços de continuidade dessa cultura no atual modo de vida xinguano.AgênciaBrasil: A existência dessasociedade vem sendo aceita no meio científico?Michael Heckenberger: Tem gente que não acredita, de jeito nenhum, que sociedades como essas poderiamsobreviver em floresta tropical. Obviamente, as pessoas não vão abandonar seusmodelos de um dia para outro e dizer “a gente estava totalmente errado”. Outrosvão se convencendo. Carlos Fausto [antropólogo do Museu Nacional] entrouna área em 1998. Não foi a favor nem contra, entendeu a possibilidade. Mas veioaqui e concordou com o que eu tinha pensado para os grupos atuais: que eleseram hierárquicos, sedentários, regionais, e montou uma etnografiasuperdetalhada. Nós, e a lingüista Bruna Franchetto, concordamos em quase tudo.E se essa sociedade hoje é sedentária, tem uma cultura, uma vida ritual, sociale política complexa, superprodutiva, com manejo de terras sofisticado, eaqueles de ontem, que eram dez vezes maiores?ABr: Como o atual modo de modo de vida dos xinguanos pode dar indicações sobre essaocupação antiga?Heckenberger: Você não precisa inventar as formas econômicas, cosmologia, rituais dessassociedades. Eles [hoje] já são muito parecidos com muitas sociedadescomplexas. Têm astronomia, conhecimento de biologia. Só que dá um choque nopessoal [da área científica], porque eles pensam: é um povo muitopequeno. Mas ignorar a porrada demográfica que esses povos levaram durante osúltimos séculos é impossível.  ABr: Qual foi o impacto da chegada dos colonizadores sobre essa nação?Heckenberger: O choque de colonialismo botou eles no chão, [a população] era muito maior. A gente sabe que no Caribe, nosAndes, Mesoamérica, América do Norte – todo lugar onde tem registrosdocumentais escritos – epidemias levaram muita gente. Aconteceu aqui naAmazônia também, mas escondido. Ninguém estava lá para testemunhar. Nesta área,os primeiros registros escritos são de 1884, e aí já era uma fração do que eraem 1500.ABr: Quais foram asdescobertas recentes nessa pesquisa?Heckenberger: A gente sempreencontra algo que mostra um entendimento novo. Nos últimos anos era mais fecharque a gente já sabia existir. Estou terminando o relatório dos últimos quatroanos para entregar aos órgãos federais e às lideranças indígenas, especialmentea Aikax [Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu]. E aí a gentecontinua com essa campanha de destacar esta sociedade. Mundialmente você nãoencontra muitas sociedades assim que estão inteiras, vivas. É um patrimôniomundial. Esse e outros grupos amazônicos estão abrindo um novo capítulo sobre ahistória humana: o das civilizações amazônicas.Leia o primeiro trecho da entrevista.