Soteropolitanos analisam propostas de candidatos para combate à fome, emprego e educação

08/10/2006 - 20h05

Juliana Cézar Nunes
Enviada especial
Salvador - "Tá procurando o mestreBoa Gente? Segue reto, passa pelo bar, atravessa o córrego, passa os caras evira a direita. Pronto, chegou."

No Vale das Pedrinhas, em Salvador, a casa de VivaldoConceição é ponto de referência. Mais conhecido como mestre Boa Gente, ocapoerista negro de 61 anos montou uma rádio comunitária num sobrado perto de onde vive. São 40 anos no ar pelos alto-falantes da vila, localizada na Chapadado Rio Vermelho.

Na cabine detransmissão, bandeiras de festa junina verde-amarelas ainda lembram a Copa doMundo. "É assim o ano todo", conta a filha de Boa Gente, Viviane, 27anos. "Agora, os meninos dele é que estão mantendo a rádio no ar. O coração deledeu um susto na gente. Ele ia adorar conversar com você, mas está internado."

A professora depré-escola conta que o pai faz questão de se manter afastado da política. Mas,nem por isso, fecha os microfones para as reivindicações da comunidade, que setornam ainda mais intensas em época de eleições.

Além daprogramaçãomusical, a rádio dá espaço para os moradores reclamarem da falta desaneamentobásico, posto de saúde, escola e segurança. "Você acredita que aqui nãotem umapraça? As crianças passam o dia todo brincando nesse córrego sujo aí.Colocam corda nas árvores e ficam balançndo de um lado pro outrodessa imundície. Umatristeza", diz Viviane, que estuda para prestar vestibular emLetras.

 "Ainda não sei em quem vou votar prapresidente. Com tudo que a gente ouve, nem vejo muita diferença em político. Vivopensando no que meu pai diz todos os dias: vamos lutar, fazer a nossa parte, semluta a gente não chega a lugar nenhum."

Viviane conta queas mulheres do Vale das Pedrinhas têm dificuldades até mesmo para conseguiremprego. Quando dizem que moram ali, são dispensadas. Poucas conseguemtrabalhar como domésticas até mesmo nas casas de um bairro de classe alta a apenas 500 metros, o Horto Florestal.

Bem arborizado erepleto de condomínios fechados, o local foi escolhido pela comerciante DaianeAndrade, 26 anos, para montar uma loja de produtos importados. Para ela, oprincipal problema a ser resolvido pelo futuro presidente é o desemprego.

"As pessoas nãoestão preparadas e por isso ficam fora do mercado de trabalho. Tem gente muitopreparada disputando vaga aí e consegue com mais facilidade", afirma Daiane,que não acredita em políticos com discurso de "gente humilde".

"Eu vendo aquiperfume, bolsa, sacola, tudo importado. Cheque para 30, 60, 90. E posso tefalar. Todo mundo que prega a bandeira de pobre consome e 'luxa' mais do que euque ralo todos os dias. Não tenho mais essa ilusão. Prefiro que mostre a caralogo."

Mais interessado em propostas, o médico Maurício Lopes Neves, 62 anos, busca ir a comícios e reuniões políticas parasaber o que vai pela cabeça dos candidatos. Ele mora em outro bairro de classealta da capita baiana: o Morro do Gato.

Na última sexta-feira, ele assistiu ao comício do candidato à reeleição para a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Camisa de botão branca, calça risca degiz cinza, sapato preto e chapéu panamá bege, Maurício ouviu sério o discurso.

 "Olha, eu mesmo quero um presidente que torneo povo mais pobre em menos pobre. O povo menos sabido em mais sabido. Paraisso, temos que saber as propostas dos candidatos. Então, estou aqui", resume omédico de pele e cabelos brancos.

Aplicado, ele sódesvia a atenção do palanque para ouvir o bate-boca de duas ambulantes negras,diante do isopor. Tudo começou com Ana Mara Cardoso, 44 anos, moradora dobairro da Liberdade, sendo questionada pela tia enquanto elogiava o discurso docandidato:

- Era pra dar emprego, não é dinheiro não!- Mas ele dá emprego também, tia. - Emprego pra nego trabalhar, não ficar emcasa! - Mas tem um bocado de pessoa que precisa dedinheiro pra alimentação... - Dá esse dinheiro e elas danam a parir!- Mas, tia, a fome é a pior coisa que tem...

Ana Mara diz quelevará seu voto ao candidato com a melhor proposta para acabar com a fome. Já aaposentada Alba Maria Alves, 44 anos, quer saber das propostas para educação eportadores de necessidades especiais.

Ela assistiu aocomício com três amigos cadeirantes e os dois filhos adolescentes. Todos elesvestidos com uma blusa azul de uma associação que adapta materiais paradeficientes físicos e promove atividades para os cadeirantes.

"Sou uma pessoamuito dinâmica, tá entendendo? Tive três esposos que foram embora porque nãoagüentaram o meu ritmo. Digo pros meus filhos: a educação é o mais importante.É como um candidato a presidente fala - até esqueci o nome. Educação é primordial",diz Alba.

"Estudeicom luzde candeeiro queimando o rosto. E isso na cidade que é acapital daenergia, Paulo Afonso. Hoje, mesmo aposentada e deficiente, luto paraque meusfilhos estudem. No final de semana, a gente trabalha no isopor.Salvador é um cidade muito festeira. Não queremos ganhar nada deninguém, não."