Brasileiro eleito senador na Itália diz que papel dos movimentos sociais é pressionar governos

21/04/2006 - 13h29

Spensy Pimentel
Enviado especial

Recife - Natural de Bragança Paulista (SP), o ativista José Luiz Del Roio, 63 anos, vive hoje uma situação "geopolítica" sui generis. Brasileiro por nascença e italiano por ascendência, ele venceu as eleições parlamentares na região italiana da Lombardia e assume no próximo dia 28 uma cadeira no Senado da Itália.

Cidadão pleno de dois países, ele agora diz que procurará manter também na política os pés em duas canoas que alguns consideram inconciliáveis: a atuação no sistema representativo e sua militância na organização do Fórum Social Mundial. "Não comecei a fazer política porque me candidatei a senador. Os fóruns sociais são um espaço profundamente político. Eles não teriam sobrevivido se não o fossem", disse ele ontem (20) à Agência Brasil, pouco antes da caminhada de abertura do 2º Fórum Social Brasileiro, na capital pernambucana.

Para mostrar que não deixará para trás o altermundismo (nome relacionado ao lema do Fórum Social Mundial, "um outro mundo é possível"), Del Roio incluiu em sua plataforma de campanha o "pleno apoio" aos ideais do movimento e mensagens de algumas das principais lideranças dos fóruns sociais, como o egípcio Samir Amin, o belga François Houtart e a brasileira Moema Miranda.

"Por uma alternativa à globalização neoliberal, que acentuou as diferenças econômicas entre as pessoas e os Estados, concentrando mais riqueza em poucas mãos, criando fome, sede, conflitos e multiplicando o desespero", diz o folder verde, azul e amarelo da campanha de Del Roio.

O novo senador considera que a eleição de um ativista para um cargo representativo, com apoio dos movimentos sociais, não pode ser considerada uma "delegação" de tarefas. "A pessoa eleita não pode representar o movimento. O movimento social tem de continuar pressionando", diz ele. "É só assim que eu terei força, quando estiver o pessoal lá fora se manifestando, e eu puder dizer aos outros senadores: olha, é melhor vocês votarem isso, porque senão eu vou lá fora denunciar."

Del Roio também avalia que sua eleição pode servir de exemplo aos ativistas de alguns movimentos sociais que renegam a importância da política partidária. "Nós ainda não inventamos alguma coisa melhor que os partidos politicos", diz. "Mas é importante ter o apoio do movimento. Na Itália, somos tão frágeis que tivemos de apresentar um programa de governo de 293 páginas. Lênin tinha tanto apoio popular que só precisou de três palavras para fazer a revolução de 1917: paz, terra e pão."

O agora senador se apresentou na campanha como candidato independente na lista do Partido da Refundação Comunista. Uma das primeiras medidas que deve defender no Parlamento, avisa, é a da retirada das tropas italianas do Iraque.

A coalizão de centro-esquerda União, liderada por Romano Prodi, venceu a direita do atual primeiro-ministro Silvio Berlusconi por apenas duas cadeiras no Senado no pleito dos últimos dias 9 e 10. "Você pode imaginar o trabalho que terei", brinca Del Roio, que já avisa: deixará seu posto no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial para assumir o posto parlamentar. "Mas isso não significa de forma nenhuma que eu me afastarei do fórum e de suas articulações."

Del Roio foi dirigente do antigo partido comunista nos anos 60, posto na clandestinidade pela ditadura militar. Após o golpe, o ítalo-brasileiro aderiu à luta armada, fundando, com Carlos Marighella, a Aliança de Libertação Nacional (ALN). Exilado por 14 anos, passou pelo Peru e pelo Chile, colaborando nos governos de esquerda até novo golpe militar levá-lo a dirigir-se à Argélia e, depois, a Moscou.

Voltou à Itália anos depois e tornou-se cidadão italiano. Além de uma campanha reailzada entre imigrantes e militantes do movimento dos fóruns sociais, Del Roio conta que também é conhecido na Lombardia por ser locutor na Rádio Popolare de Milão.

O senador espera atuar também para aumentar o intercâmbio cultural e científico-tecnológico entre suas duas pátrias. "São países complementares em alguns setores da alta tecnologia. Por exemplo, a Itália tem problemas de energia, e o Brasil está na ponta na pesquisa de fontes alternativas, como o álcool e o biodiesel."