União Européia deve pressionar multinacionais contra trabalho escravo, defende especialista

18/04/2006 - 14h01

Cecília Jorge
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O cientista político brasileiro Leonardo Sakamoto defendeu no final do mês passado, em discurso no parlamento alemão, restrições comerciais seletivas aos produtos de empresas que utilizam trabalho escravo ou usam matérias-primas com essa origem. De acordo com ele, a participação das empresas multinacionais nesse tipo de atividade foi ressaltada para representantes do governo e empresários alemães.

"Nós pedimos para a União Européia ajudar, fazer pressão para que as empresas internacionais, empresas multinacionais tenham comportamento decente dentro e fora do Brasil", conta Sakamoto. O pesquisador é integrante da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

De acordo com ele, três grandes multinacionais exportadoras de soja ainda não adotam medidas claras para evitar a aquisição de produtos que envolvam mão-de-obra escrava no Brasil. São elas Bunge, Cargill e Archer Daniels Midland (ADM).

Em 2004, a organização não-governamental Repórter Brasil, da qual Sakamoto é coordenador, realizou um levantamento sobre o destino dos produtos das fazendas que tinham trabalhadores escravos. O estudo tomou como base a relação, divulgada pelo Ministério do Trabalho, das fazendas onde foram encontrados trabalhadores escravos, a chamada lista suja.

Muitas empresas que compravam direta ou indiretamente dessas fazendas mudaram de fornecedores e lançaram, em maio de 2005, o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

"A Bunge, Cargill e Archer Daniels Midland (ADM) foram informadas que estavam comprando de fazendas com trabalho escravo e mesmo assim não assinaram o pacto e continuam com esse ato predatório, se importando apenas com o lucro, com o baixo custo do produto e não se importando com a situação dos trabalhadores naquela fazenda", disse Sakamoto, em entrevista à Agência Brasil.

Por meio da assessoria de imprensa, a Cargill explicou que a adesão ao pacto está em estudo pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (Abiove) para que seja assinado por todo o setor em conjunto.

Quanto às medidas para evitar a compra de produtos resultantes do trabalho escravo, a empresa informou que adota em seus contratos uma cláusula de responsabilidade social, em que "a empresa se reserva o direito de recusar produtos e rescindir o contrato no caso de utilização de mão-de-obra escrava ou infantil".

A Cargill, segundo a assessoria, consulta a lista do Ministério do Trabalho sobre as fazendas onde foram encontrados trabalhadores escravos.

A ADM, por meio de nota, informou que a empresa possui um Código de Conduta e Ética nos Negócios que "prestigia os parceiros de negócios que tratam seus funcionários com dignidade e respeito e repudia fornecedores que reconhecidamente empregam práticas trabalhistas abusivas ou que, de qualquer outra forma, estejam em desacordo com a legislação local". A Bunge também foi procurada pela reportagem, mas ainda não se pronunciou sobre o assunto.

De 1995 até 2006, cerca de 18 mil pessoas foram libertadas em operações de fiscalização do governo federal. As ações foram realizadas em cerca de 1,5 mil propriedades rurais. Desde a pesquisa da Repórter Brasil, cerca de 80 empresas assinaram o pacto pela erradicação do trabalho escravo e promoveram mudanças em seus sistemas de compra.

Uma delas foi a Coteminas, uma das maiores produtoras de tecido do país, que apareceu entre os compradores de algodão de fazendas que faziam uso de mão-de-obra escrava. Ao tomar conhecimento, a empresa cortou imediatamente toda a comercialização com essas fazendas e exigiu que todas as notas fiscais de fornecedores tivessem o nome das fazendas de origem dos produtos.