Pará ainda é cenário de conflito no processo de reforma agrária

17/04/2006 - 8h58

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - "Matar gado pra alimentar fome dos trabalhadores não é errado. Não sabíamos que o gado era de valor elevado, mas isso pouco importa", diz Gildomberg Costa, um dos coordenadores do acampamento Lourival Santana, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No ano passado, foi morto um boi estimado em R$ 2 milhões. Segundo o gerente da fazenda Peruano, Nelson Ferreira de Sá, outros cinqüenta animais teriam sido mortos.

O acampamento fica a poucos quilômetros da Curva do "S" da estrada que leva ao município Eldorado dos Carajás (Pará) – onde, há dez anos, aconteceu o conflito entre manifestantes do Movimento e a Polícia Militar, que resultou em 19 mortes. O fato ficou internacionalmente conhecido como Massacre dos Carajás.

Há dois anos, 540 famílias ocupam as terras que fazem parte dos 11.600 hectares da fazenda Peruano, novo cenário de conflito no processo de reforma agrária do Pará. A reivindicação é que o governo desaproprie as terras. Em 2003, o dono da fazenda, Evandro Mutran, foi autuado por manter 54 trabalhadores em condições análogas a de escravo.

Os sem-terra alegam que parte da fazenda é terra da União. Dos 11,6 mil hectares, "queremos todos, porque é uma fazenda que tinha trabalho escravo. Estamos nesses quatro mil hectares, mas lutamos pela conquista do todo", afirma o coordenador do MST no Pará, Ulisses Manacás.

Este ano, em retaliação ao despejo de 600 famílias acampadas na fazenda Rio Vermelho, os sem-terra atearam fogo na sede da fazenda, no laboratório de inseminação artificial de gados e na casa do gerente Nelson de Sá. O prejuízo estimado é de R$ 5 milhões. Manacás diz que, "de fato, não é melhor forma de conseguir o que queremos. Existem melhores formas, mas decidimos e fizemos".

Marcelo Souza, que também faz parte da coordenação do acampamento, diz que a ação "foi decisão do povo, porque a terra é improdutiva, tem crime ambiental e Eldorado dos Carajás não conseguiu ainda ver a cor da carne dessa fazenda. Então o povo tomou atitude para entrar na história".

Segundo Souza, o MST não teme a polícia e novas ações poderão ocorrer. "O movimento temerá mais a miséria que a morte. O povo cansou dessa repressão. Se é pra ser todo o tempo pisado, é melhor nem existir".

Sobre a destruição da fazenda, Ulisses Manacás diz que o MST "condena o ato, mas assumimos responsabilidade por ele, sabendo que isso vai ter conseqüências difíceis, porque a sociedade não permite". Ele conta que, na maioria dos casos, "expulsamos quem comete depredação, destruição de plantação ou matança de gado. Essas atividades são abominadas".

No entanto, diz, no caso da fazenda Peruano, os líderes não foram expulsos. "Estamos em processo de debate. Primeiro estamos identificando quem foram os que estimularam a ação, para poder tomar as medidas cabíveis", afirma o coordenador do MST no Pará.

A coordenação do MST nega a autoria do sacrifício do boi. "Até hoje dizemos que não foi uma ação do MST. Naquela região tem muita quadrilha de roubo de gado, nenhuma investigação levou a dizer que fomos nós. Nada, nada, nenhuma família nossa assumiu a responsabilidade por isso. Não houve nenhuma ação nossa", afirma Manacás.