Dez anos depois do conflito no Pará, há duas condenações e 144 absolvições

16/04/2006 - 20h05

Alessandra Bastos
Enviada especial

Eldorado dos Carajás (PA) – Duas condenações, 144 absolvições e nenhuma prisão. Dez anos depois, representantes de movimentos sociais reclamam da impunidade dos responsáveis pelas mortes no conflito que ficou conhecido como o "Massacre de Eldorado dos Carajás".

No dia 17 de abril de 1996, durante um confronto com a Polícia Militar do Pará, 19 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram mortos e outros 69 ficaram feridos.

O conflito começou quando a polícia tentou retirar da Rodovia PA-150, que liga a capital Belém ao sul do Pará, os 1,5 mil sem-terra que estavam obstruindo a estrada em protesto contra a demora na demarcação de terras.

O coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados a 228 anos e 158 anos de prisão, respectivamente. Eles comandavam os dois pelotões da polícia que encurralaram os manifestantes, Os 142 policiais que participaram da ação e o capitão Raimundo Almendra Limeira foram inocentados das acusações.

O Ministério Público do Pará não indiciou o então governador do estado, Almir Gabriel, e o então secretário de Segurança, Paulo Sete Câmera. Gabriel foi acusado, pelos policiais, de ter ordenado ao secretário a desobstrução da estrada "a qualquer custo". Câmera teria repassado a orientação ao capitão Limeira capitão e aos dois comandantes da operação.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pede a condenação de Pantoja e Oliveira. "A gente considera que eles são responsáveis pela ação, são os mandantes. Os outros fizeram a operação", diz Maria Raimunda César, representante no Pará do diretório nacional do MST.

O primeiro julgamento ocorreu em 1999, quando os três comandantes foram absolvidos. Para assistir ao julgamento, conta Maria Raimunda, "houve uma mobilização das famílias, de militantes de vários movimentos e de pessoas que estão na luta pela justiça".

Ao ser anunciada a sentença, não houve tumulto no tribunal. "Me lembro até hoje da imagem. O primeiro momento foi o de silêncio, de trinta segundos a um minuto de silêncio total. Aquilo chocou, as pessoas ficaram profundamente chocadas com a argumentação da defesa", lembra. Após o silêncio, "veio a indignação e todo mundo se retraiu". Segundo ela, algumas pessoas sentaram no chão e choraram, enquanto outras só se abraçavam por não conseguirem fazer nada. "A gente não conseguiu esbravejar, gritar ou xingar", lembra.

No dia seguinte, o MST entrou com um pedido de anulação da sentença e suspensão do restante do julgamento. "Fizemos marchas, mobilizações e pressão, um grupo de jovens acampou em frente ao tribunal", diz. O julgamento foi anulado.

No segundo julgamento, em 2001, Maria Raimunda recorda-se que os defensores das vítimas não quiseram ficar no tribunal. "Como sabíamos que era mais uma farsa montada para perpetuar a impunidade no país, nos retiramos, virando as costas para o julgamento", conta. "Não somos videntes, nem temos bola de cristal, mais já sabíamos o resultado: os assassinos e mandantes mais uma vez não foram condenados", acrescenta.

A sentença condenou dois dos três comandantes e absolveu onze sargentos, quatro tenentes e 128 soldados sob a alegação de que não seria possível determinar as autorias e nem as responsabilidades pelas mortes.

A acusação alega que 11 trabalhadores foram atingidos por tiros na cabeça, sete por armas brancas (como facas, punhais e canivetes) e pelo menos três foram executados com tiros à queima-roupa, somando 36 perfurações nas vítimas.

As duas tropas cercaram os manifestantes pelos dois lados da estrada PA-150 – um que leva ao município de Marabá e o outro que leva ao município de Paraopebas. A defesa argumenta que não foi um massacre, mas um conflito.

Em novembro de 2004, no terceiro julgamento do "Massacre de Eldorado dos Carajás", os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Pará determinaram, por unanimidade, a prisão imediata dos dois comandantes da operação que haviam sido condenados à pena máxima, mas aguardavam o julgamento do recurso em liberdade. Mas o tribunal manteve a absolvição dos 142 policiais que participaram da ação.

Na ocasião, o julgamento foi acompanhado por cerca de 800 integrantes do MST, que fizeram vigília em frente ao tribunal e um protesto com a exposição de corpos mutilados feitos de argila para lembrar o massacre. O coronel Pantoja foi preso. Por ser réu primário e ter bons antecedentes criminais, o major Oliveira ganhou o direito de apelar da sentença em liberdade.

Em setembro de 2005, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso determinou que Pantoja fosse solto. Ele entendeu que não pode haver condenação antes que se esgotem os recursos possíveis. "A garantia constitucional não tolera execução provisória de sentença condenatória antes do trânsito em julgado", diz a decisão. Pantoja aguarda em liberdade o julgamento de seus recursos.