Condenação de dois está aquém da responsabilidade pelas 19 mortes, diz advogado

16/04/2006 - 20h06

Alessandra Bastos
Enviada especial

Eldorado dos Carajás (PA) – Há dez anos, José Batista acompanha o processo de reforma agrária no Pará. Advogado, ele é responsável pela defesa dos agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST) e membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no município de Marabá.

Nesta entrevista, Batista falou sobre o confronto que resultou na morte de 19 agricultores sem-terra e deixou outros 69 feridos. Ocorrido em 17 de abril de 1996, o conflito ficou conhecido como o "Massacre de Eldorado dos Carajás".

Agência Brasil – Dez anos após o confronto, qual a posição da CPT sobre o caso?
José Batista - Temos consciência dos interesses políticos que rondaram o processo. O comportamento do próprio Tribunal de Justiça é muito questionável. E também do Ministério Público. Essas condições favoreceram aqueles que deram a ordem [de desobstrução da rodovia PA-150, onde cerca de 1,5 mil trabalhadores faziam um protesto contra a demora na demarcação de terras]. Nosso entendimento é que eles também deveriam ser denunciados.

ABr - Não tem mingúem preso, mas dois comandantes foram condenados.
José Batista - Isso já é um avanço no histórico brasileiro de impunidade? A sensação que temos é que a impunidade venceu porque a condenação, apenas dos dois, está muito aquém daquilo que deveria ser a responsabilização das dezenove mortes. O fato de terem sido colocados em liberdade nos traz a preocupação de que, se perderem os recursos, a polícia não mais os encontre. Os dois fazendeiros acusados de matar o sindicalista João Canudo, em 1985, foram condenados a dezenove anos de prisão há mais de um ano. Perderam o recurso e a polícia não conseguiu localizá-los até hoje.

ABr - Quando o senhor diz "aquém da responsabilização", refere-se aos que estariam acima, na cadeia de comando, ou aos que teriam efetuado os disparos?
José Batista - Aos dois níveis. Quando a pista foi desobstruída, foram recolhidos apenas seis corpos. Esses foram mortos no conflito. Depois da pista desocupada, aqueles que ficaram feridos à margem da estrada, e que não tinham condições de correr, foram executados. Infelizmente, a cena do crime foi totalmente deformada pela própria polícia. As provas foram omitidas e isso fez com que a identificação dos policiais ficasse muito difícil. Então houve absolvição de todos.

ABr - Em relação aos seis mortos durante a desocupação. Naquele momento, foi um conflito?
José Batista - Não houve conflito. Houve um massacre. O sinal para o batalhão de Paraopebas avançar seria o som de tiros. A distância era de aproximadamente 400 metros. A equipe que fez a filmagem estava do lado do batalhão de Paraopebas. Quando ouviu os primeiros tiros, o cinegrafista saiu caminhando por entre o povo. Ali já havia trabalhadores caídos. A imagem que aparece nos jornais, em que os trabalhadores avançam contra a tropa do coronel Pantoja [Mário Colares Pantoja, um dos dois comandantes da operação], foi quando ele chegou lá. Já haviam ocorrido tiros e já tinham duas pessoas caídas.

ABr – Então a imagem não foi iniciada no começo do conflito?
José Batista - Quando o conflito iniciou, o cinegrafista estava no mínimo há 400 metros do outro lado. Teve que atravessar toda a multidão para chegar no local.

ABr - Mas ele não diz isso?
José Batista -Ele fala claramente que estava do lado inverso.