Advogado do MST diz que menos de 5% das ocupações são de terras produtivas

16/04/2006 - 20h07

Nesta segunda parte da entrevista, o advogado José Batista, da Comissão Pastotal da Terra (CPT), comenta sobre os conflitos nas fazendas Peruano (hoje acampamento Lourival Santana, próximo a Eldorado de Carajás) e Rio Vermelho. Fala também sobre a política para a reforma agrária do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agência Brasil - Como o senhor analisa a destruição da fazenda Peruano?
José Batista - A luta tem objetivos pacíficos. Em casos extremos, ocupam-se terras produtivas, mas é um universo de menos de 5% das ocupações. Há situação de violência quando há uma certa intransigência do outro lado. Vinte dias antes do despejo da fazenda Rio Vermelho, fizemos uma reunião com o ouvidor agrário e foi assinado um acordo de que, antes das desocupações, os representantes dos movimentos sociais e seus advogados seriam informados, não para organizar resistência, mas para ver local para onde seriam levadas as famílias. Ou seja, acompanhar para ver se não terá ato de violência da polícia e para evitar conflitos. Esse acordo foi rasgado. Foi feita desocupação na surdina, sem avisar a ninguém, inclusive os advogados. Os trabalhadores ficaram preocupados e temerosos de que a próxima desocupação fosse a da Fazenda Peruano. Em função da intransigência, no calor dos acontecimentos, partiram para um ato extremo e violento de depredação do patrimônio.

ABr - O senhor disse que dificilmente terras produtivas são ocupadas. O senhor reconhece que, nesse caso, foi ocupação de uma terra produtiva?
José Batista - Não. Uma propriedade é produtiva quando o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] faz uma vistoria e emite um laudo. No caso da Peruano, nunca foi feita uma vistoria. A Constituição diz, no artigo 186, que para cumprir com a função social tem que obedecer às leis trabalhistas e ambientais. A Peruano foi flagrada com trabalho escravo em 2003 e foi descaracterizada porque ali é um antigo castanhal. O castanhal foi jogado no chão, transformado em pastagem e isso é um crime ambiental. A mesma coisa em relação a Rio Vermelho. O grupo cria gado de ponta, mas entraram com pedido de reintegração de posse. Mas onde famílias estavam acampadas fica a 13 quilômetros da fazenda, em uma terra da União incorporada ilegalmente pelo grupo Rio Vermelho. O juiz mandou fazer o despejo contrariando a lei em uma área em que não foi pedida. A manutenção foi pedida na fazenda rio Vermelho, que não é onde os sem-terra estavam. E aí? O poder judiciário erra fica parecendo que só os trabalhadores erram.

ABr - A CPT apóia esse tipo de ação?
José Batista - Não apoiamos a violência seja de que lado ela parta, dos trabalhadores, do Estado, da polícia ou de quem quer que seja. Mas, nesse caso, não estamos dizendo que o MST é violento. É um movimento legítimo e reconhecido. Não é um movimento criminoso, pelo contrário, luta por um direito. Agora, tem que ser condenada qualquer forma de violência, principalmente aquela contra os trabalhadores.

ABr - O governo diz que, desde 2003, a reforma agrária tem avançado em quantidade e qualidade. É possível ver isso na prática?
José Batista - Tem que relativizar, não podemos generalizar. O governo passado tratou a reforma agrária como questão de polícia, como sendo um crime, numa política de criminalização dos movimentos sociais. O que mais se ofereceu para tratar os conflitos de terra foi a polícia civil, para indiciar e prender os trabalhadores, e a polícia militar, para poder despejar. Nesse aspecto, o tratamento dado pelo governo federal hoje é bem diferenciado. Há uma abertura para dialogar. Nas políticas de assentamento também houve avanço como, por exemplo, a assessoria técnica. Eu diria que triplicou. Os recursos para avançar a produção também dobraram. Mas o governo tem liberado mais recursos para o agronegócio do que para a agricultura familiar e a reforma agrária. Não avançou em relação à desapropriação e ao assentamento dos sem-terra. Famílias que foram para debaixo da lona preta há três anos continuam lá. O número de imóveis desapropriados é irrisório. O governo abriu mão de enfrentar o latifúndio, quer atender às terras onde já há o assentamento, mas não quer enfrentar o latifúndio. Em razão disso, os conflitos permanecem.