Investigação para recuperar amostras de sangue ianomâmi foi aberta em 2000

06/04/2006 - 15h18

Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil

Manaus – A recuperação do material genético (amostras de DNA) de 90 indígenas ianomâmi, que estava na Universidade Federal do Pará, foi o primeiro resultado concreto – e inesperado – de um inquérito iniciado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2000.

"O livro Trevas no Eldorado, do jornalista Patrick Tierney, denunciou que existiam milhares de amostras de sangue ianomâmi nos Estados Unidos, coletadas irregularmente nas décadas de 60 e 70", contou hoje (6) à Radiobrás o antropólogo do MPF em Roraima, Jankiel de Campos. "O fato foi noticiado pela imprensa brasileira e o Ministério Público Federal em Brasília [6ª Câmara Temática – Índios e Minorias] abriu um inquérito".

"Na ocasião, o Ministério Público enviou ofícios às universidade da Pensilvânia e de Michigan, onde trabalhavam os cientistas que supostamente participaram da coleta", lembrou Campos. "Só a primeira respondeu, apenas confirmando que detinha parte das amostras. O Ministério Público tentou ainda sem sucesso conseguir apoio do Ministério das Relações Exteriores e da Advocagia Geral da União, para recuperar o material genético".

No início do ano passado, Campos foi lotado em Roraima - em abril, o inquérito foi transferido para lá. Ele mandou, então, ofícios a reitores e diretores de dez instituições de pesquisa dos Estados Unidos. Até agora, apenas quatro delas apenas retorno, afirmando que de fato possuíam o material procurado.

As quatro instituições em questão foram: a Universidade do Estado da Pensilvânia, a Universidade Estadual de Nova York, a Universidade da Califórnia e o Instituto Nacional do Câncer. O procurador-geral da República em Roraima, Maurício Fabretti, esclareceu que as duas últimas inicialmente negaram a existência das amostras, mas depois retificaram a informação. "Com a notoriedade que o caso vem ganhando, está sendo mais fácil sensibilizar os cientistas", comentou.

Fabretti afirmou que acredita na possibilidade de solução extrajudicial para o conflito. "As quatro instituições querem devolver as amostras de sangue, mas não sabem a quem. Elas questionam a representatividade das ONGs e das lideranças indígenas", declarou. "Por isso, estamos tentando reforçar a legitimidade do Ministério Público Federal na defesa dos interesses dos povos indígenas. Isso nem sempre é reconhecido no exterior, até porque os Estados Unidos têm um sistema jurídico muito diferente do nosso", completou.

"Parte das amostras foi coletada na Venezuela. Por isso, as universidades e centros de pesquisa norte-americanos querem provas de que efetivamente representamos todos os Ianomâmi", revelou Santos. "Para ajudar nesse convencimento, as lideranças indígenas estão passando um abaixo-assinado nas comunidades da terra indígena ianomâmi".

De acordo com o antropólogo, a devolução das amostras aos Ianomâmi é essencial para o bem estar das comunidades. "Quando um ianomâmi morre, os parentes cremam seus restos mortais e seus bens pessais – e nunca mais tocam no seu nome. Agora que eles conhecem a fotografia, elas também são queimadas", explicou. "É difícil dizer exatamente o porquê desse ritual, mas ele está ligado à destruição da lembrança da pessoa morta, para que ela passe para o mundo sobrenatural e não perturbe a sociedade. A existência dessas amostras significa um sofrimento psicológico para os Ianomâmi".

O Ministério Público Federal não tem capacidade de ajuizar ações no exterior. Caso seja necessário, a Advocacia-Geral da União será obrigada a contratar um escritório de advocacia nos Estados Unidos.