Guerra do ICMS deve ir para a Justiça, acredita coordenadora do Confaz

01/04/2006 - 10h26

Paulo Montoia
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Em razão do veto de apenas três estados - Espírito Santo, Ceará e Pernambuco - não foi possível ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz, que reúne os secretários da Fazenda dos 26 estados do país, mais o Distrito Federal) chegar a um acordo para pôr fim à guerra fiscal que favorece as empresas e diminui a arrecadação dos governos, através da renúncia cada vez maior do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

É o que revela, em entrevista dada à Agência Brasil (ABr) neste mês, a coordenadora dos secretários do Confaz, Lina Maria Vieira, secretária de Tributação do Rio Grande do Norte. "Então, a nossa saída agora é o Judiciário. Vai ficar entulhado de processo lá, porque vai ser um estado brigando contra outro estado", afirmou.

Agência Brasil - Senhora secretária, chegou-se a algum acordo dentro do Conselho Fazendário quanto a uma solução para a guerra fiscal do ICMS entre os estados. Esse problema estava na pauta da última reunião do conselho?

Lina Maria Vieira - Primeiro, eu queria distinguir os dois tipos de guerra fiscal que temos. Temos a guerra fiscal industrial, que consiste na concessão de benefícios fiscais e está calcada numa ideologia de promoção de desenvolvimento local, para o crescimento das atividades econômicas nos estados menos desenvolvidos, uma vez que nós não temos uma política nacional de desenvolvimento regional. A outra é a guerra fiscal comercial, que é muito prejudicial à arrecadação de ICMS e à livre concorrência. porque está baseada em políticas imediatistas e predatórias. Vou citar um exemplo: nós temos aqui no Rio Grande do Norte, na divisa com a Paraíba, grande fabricação de redes de dormir, e a Paraíba concedeu para esse mesmo tipo de atividade uma redução de 17% para 1% de ICMS. Então os empresários disseram que iriam fechar suas fábricas aqui e abri-las na Paraíba. Aí o estado vizinho, para não perder as empresas e os empregos, tem de conceder a mesma alíquota.

A mesma coisa aconteceu na guerra fiscal comercial com Pernambuco, que atraiu para seu território alguns centros de distribuição (de mercadorias) e deu um regime especial, com redução de carga tributária, às vezes com 1% - como também fez o Distrito Federal - às vezes com 3%. O que acontece: esses centros de distribuição transferem para os outros estados que adquirem essas mercadorias um crédito fictício, que não foi pago.

Por exemplo: vem de Pernambuco com um crédito de 12% e quando a mercadoria ingressa no outro território aqui do Nordeste ele paga um diferencial de alíquota que é 5%. Acontece que esses 12% não foram pagos. Desses 12%, só se pagou 3% ou 1%, por conta desse benefício.

Por essa razão, a última discussão que nós tivemos no Confaz, e já faz algum tempo, em 2005, foi para eliminação dos benefícios fiscais. Nós iniciaríamos pelos benefícios comerciais, para depois avançarmos nos benefícios fiscais industriais, que já estão mais no contexto de uma reforma tributária. Discutimos muito e quase conseguimos. Infelizmente, exatamente por conta de Pernambuco, Espírito Santo e Ceará, nós não conseguimos fechar um acordo entre os estados para pôr fim à guerra fiscal comercial.

De lá para cá, nós não discutimos mais. E então o que nós estamos fazendo: estamos retaliando os estados que concedem os benefícios, o estado adquirente não reconhece aqueles créditos. Esta foi a última medida adotada pelos secretários de Fazenda, Finanças, Tributação e Receita dos estados. Surgiu até em 2004 um protocolo, que foi o Protocolo ICMS 19, publicado no dia 12 de abril, no qual alguns estados - Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo - estabeleciam que os créditos de ICMS correspondentes à entrada de mercadorias ou serviços de estabelecimentos localizados nesses estados e que fossem remetidos ou prestados a contribuintes que se beneficiem de incentivos concedidos nas atividades comerciais, em desacordo com a Lei Complementar 24, eles só seriam admitidos até o montante em que o imposto tenha sido efetivamente cobrado pela unidade da federação de origem. Esse protocolo foi tornado sem efeito, através do Despacho 02/2004, do Confaz.

Mas esse acordo entre esses estados, essa sistemática continua da mesma forma, com base na Lei Complementar 24, os estados que recebem essas mercadorias (e serviços) não estão reconhecendo esses créditos que não têm respaldo em convênio no Confaz.

ABr - Nós estamos falando do ICMS que foi discriminado em nota fiscal quando a mercadoria sai de um estado e vai para o outro. Esse dinheiro deveria ser repassado ao estado de destino e não é...?

Lina Maria Vieira - Exato, porque o ICMS não é cumulativo, ele abate na operação seguinte o que foi pago na anterior. Então se eu transfiro um crédito de 12%, mas na anterior o crédito só foi de 3%, eu estou sobrecarregando o estado que recebeu a mercadoria com um crédito fictício.

ABr - Independentemente desse tipo de operação, cada estado cobra o ICMS que quer, uma vez que o imposto é estadual?

Lina Maria Vieira - Não é assim. Há uma resolução do Senado, e há também uma lei complementar, de que nas operações internas é preciso obedecer ao limite da alíquota interestadual, que é de 12% no caso do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de 7% no Sul e Sudeste. É o mínimo que os estados podem reduzir nas operações internas (dentro do país), mas infelizmente não é o que nós estamos vendo.