Em regiões pobres do Haiti, pessoas comem biscoitos de terra e sal

09/02/2006 - 15h56

Aloisio Milani
Enviado especial

Porto Príncipe (Haiti) - Na parte baixa da capital Porto Príncipe, mulheres com vestidos velhos esparramam sobre os lençóis porções de uma massa marrom. Com a colher, um movimento do punho ajuda a modelar um biscoito rústico como uma pequena torta – chamada de tê na língua creoule. É feito de terra, água, sal e um pouco de manteiga. Comida vendida por quatro gourdes haitianos (US$ 0,02) a pessoas mais pobres, que, muitas vezes, não têm opção para comer.

O professor Lamarre Germain, de 50 anos, mora em Fort Dimanche (bairro pobre do Haiti, onde são feitos os biscoitos) e, falando em inglês, se apresenta como guia a quem quiser conhecer o tê. Ele explica que as cozinheiras dos biscoitos não são as pessoas que os comem, mas as que vendem o produto a preços acessíveis nos mercados informais dos bairros mais pobres. "A elite do país pensa que isso é lama, mas existem pessoas que comem isso", diz, ao enfatizar que nunca ingeriu o alimento.

A terra para o tê vem de Hinche, região próxima à capital haitiana. Depois de peneirada, cai em baldes de água para amolecer. Com sal e uma pitada de manteiga, a mistura se transforma em uma massa marrom brilhante, cuja consistência é a mesma de argila para modelar vasos ornamentais. Em grandes lençóis, os biscoitos são divididos e ficam ao sol até secarem. Tudo, depois, segue para os mercados das favelas da região.

Marie Pierre, de 22 anos, ajuda a sustentar o marido e os dois filhos, todos sem trabalho, fazendo todos os dias o tê. Hoje (9), ela acordou às 4 horas e seguiu para um terreiro de cimento em frente a um prédio onde funcionava uma prisão. Fez três baldes grandes de biscoito de argila e sal. "Minha família não tem trabalho e eu trabalho aqui sozinha para ajudar", fala em crioule.

Com um lenço amarelo na cabeça, um vestido azul e as mãos sujas de argila seca, Marie avisa que vende os biscoitos. De frente ao terreiro das cozinheiras do tê, o prédio abandonado da prisão se transformou em uma fossa pública. Fezes e lixo se misturam com os restos de cerimônias do vodu haitiano, religião de origem africana muito seguida no Haiti.