Pesquisa sobre escravidão por dívida no Brasil ganha prêmio internacional

05/02/2006 - 17h49

Luciana Vasconcelos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Uma camisa e uma rodada de cerveja para os amigos é o sonho de um dos muitos trabalhadores rurais que foram levados ao Pará em busca de emprego e acabaram escravizados. Essa é uma das histórias contadas no livro "Pisando fora da própria sombra: - a escravidão por dívida", de Ricardo Rezende, que recentemente recebeu o prêmio Casa das Américas na categoria literatura brasileira.

Rezende começou a escrever o livro em 1999 para tese de doutorado. No livro, procurou descrever o cenário do trabalho escravo no país e mostrar seus principais personagens: os trabalhadores, suas visões, medos e sonhos. E também retratar a escravidão por dívida, quando a pessoa fica presa a débitos da cantina da fazenda onde os preços normalmente são maiores que o do comércio. Por mais de 20 anos, Rezende morou no sul do Pará onde ajudou diversos trabalhadores que fugiam das fazendas. Para escrever o livro, ele foi a cidade natal dessas pessoas em duas regiões, uma no Piauí e outra no norte de Mato Grosso.

Para o autor do livro, a garantia de oportunidades de emprego e fiscalização são importantes no combate a prática do trabalho escravo. Além disso, destacou a importância do controle social para quebrar o que chamou de "ciclo vicioso", onde a pessoa é resgatada, mas acaba caindo novamente nas mãos dos "aliciadores" por necessidade.

Rezende citou o exemplo do trabalhador que queria comprar uma camisa e pagar uma rodada de cerveja para os amigos. O autor perguntou se ele sairia de Barras, sua cidade natal no Piauí, se ganhasse o salário mínimo (na época estava em torno de R$ 160). "Ele respondeu: se eu recebesse R$ 30 por mês, eu não sairia daqui", contou. "Então, a falta de emprego, de condições e de sobrevivência, tanto para os casados como para os solteiros, levam as pessoas a saírem de casa", avaliou.

Dados do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que em 2005 foram libertados 4.133 trabalhadores que estavam sob regime de trabalho escravo. O Pará foi o estado com o maior número de trabalhadores libertos, 1.128 ao todo.

No trabalho escravo a pessoa é submetida a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. E ainda cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador para impedí-lo de sair do local.