Representante da indústria argentina pede proteção a setores sensíveis da economia

11/01/2006 - 19h05

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Responsável pelo primeiro acordo sobre comércio automotivo entre Brasil e Argentina, Débora Giorgi é atualmente diretora do Centro de Estudos para Negociações Internacionais (CENI) da União Industrial Argentina (UIA). Em 2001, ela era ministra da Indústria, Comércio e Mineração do governo de Fernando de la Rúa.

O acordo, que venceu em dezembro de 2005, foi prorrogado por 60 dias para que os dois governos cheguem a um novo consenso sobre o comércio de veículos. Para discutir essas novas regras e preparar a visita, semana que vem, do presidente argentino Nestor Kirchner, está hoje (11) em Brasília o argentino Jorge Taiana, ministro das Relações Exteriores e Comércio Exterior.

O ponto mais delicado dos debates é a indústria dos dois países. Segundo destino das exportações brasileiras, atrás somente dos Estados Unidos , a Argentina preocupa-se com a invasão de produtos brasileiros e pleiteia medidas de restrição ao livre comércio até a recuperação da competitividade pela indústria local.

Hoje (11) também estão sendo retomadas, em Buenos Aires, as negociações sobre o Acordo Automotivo, que regula o comércio de veículos entre os dois países – hoje, 60% dos veículos vendidos na Argentina são brasileiros e menos de 3% dos automóveis vendidos no Brasil são argentinos.

Simultaneamente, Brasil e Argentina negociam os termos de uma Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC). Também está prevista reunião esta semana, em Buenos Aires, para discutir o tema.

Nesta entrevista exclusiva para a Agência Brasil, Débora Giorgi comenta a renovação do acordo e as discussões dos dois países na Organização Mundial do Comércio (OMC). Também pede proteção aos setores mais sensíveis da Indústria argentina: têxteis, calçados e eletroeletrônicos.

Agência Brasil: Brasil e Argentina prorrogaram até o final de fevereiro o Acordo Automotivo, negociado pela senhora, em 2001. Agora tentam chegar a um novo consenso sobre o comércio de veículos entre os dois países. Este tipo de acordo ainda é necessário?

Débora Giorgi: Se olharmos os números da Argentina, desde 98 o Brasil está praticamente abastecendo 58% do nosso mercado automotivo. Nós não chegamos a abastecer 2% do mercado brasileiro. Acredito que nos impondo alguns compromissos mútuos, podemos superar isso e nos transformar em uma indústria automotiva exportadora e competitiva.

Acho que há um espírito muito construtivo entre os negociadores, independentemente de que seja uma negociação complexa. As negociações que se vê entre Mercosul e União Européia, a pressão por acordos setoriais no marco da OMC e a China, como fabricante de veículos, vão fazer com que posições comuns, dentro do Mercosul, possam ser construídas mais rapidamente. Acredito que hoje nós temos que pensar em uma indústria regional, competitiva para o mundo, e acho que não temos muito tempo.

ABr: Brasil e Argentina negociam uma Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC) que estabeleceria restrições à entrada de produtos brasileiro até a recuperação de setores da indústria argentina. Quais setores dependem de proteção?

Giorgi: Os setores da CAC são os setores sensíveis, os setores que desde 94 estamos mantendo com exceções, com salvaguardas, com discussões e com acordos da iniciativa privada. Os negociadores terão que se acertar e fazer algo que satisfaça os exportadores brasileiros, algo justo, mas que simultaneamente permita a reorganização de setores que hoje têm 70% e 80% do mercado ocupado por produtos brasileiros. Esses setores precisam de um tempo para voltar a ganhar eficiência e poder competir no mercado regional, inclusive no brasileiro.

ABr: O principal interesse dos países em desenvolvimento, na Rodada Doha, é a abertura de mercado para produtos agrícolas. Em troca, os países desenvolvidos pedem maior acesso a mercados para seus produtos manufaturados. A indústria brasileira teme esta barganha. E a indústria argentina?

Giorgi: Nossa indústria realmente estava preocupada com a evolução das negociações a partir de julho de 2005, especialmente com as agressivas propostas, tanto da União Européia quanto dos Estados Unidos, de baixa de tarifas para produtos industriais. A indústria também estava preocupada com algumas manifestações dentro do G-20, como a proposta de redução de 50% nas tarifas consolidadas, apresentada informalmente pelo governo brasileiro. Quando a reunião ministerial terminou, a indústria argentina passou a ter uma perspectiva melhor, dentro do que a própria dinâmica das negociações multilaterais permite ter como expectativa, dado o peso relativo dos países, mas resgatando a posição firme do G-20 nas negociações.

ABr: O que ainda se pode esperar da atual rodada de negociações? A indústria tem muito a perder?

Giorgi: O que a indústria argentina propõe é a questão particular dos setores sensíveis [que ficariam de fora da regra geral de redução tarifária] . Esse é um aspecto fundamental para o setor produtivo da nossa indústria, que nos anos 90 sofreu um processo de desarticulação muito grande. Para nós seria muito importante que algo nesse aspecto avançasse mais. Isso foi muito trabalhado. Chegou-se a propostas comuns no G-20, mas que não puderam ser apresentadas no marco geral das plenárias.

Com relação à vinculação do acesso a mercado agrícola ao corte de tarifas em bens industriais, o importante é que um país não pode propor uma baixa de 39% em subsídios de produtos agrícolas e requerer, aos países em desenvolvimento, 75% de baixa nas tarifas de produtos industriais. Me parece que a cláusula de proporcionalidade estabelece um conceito importante no âmbito multilateral, da mesma forma que Cancún disse "basta!". Esta cláusula propõe que se analise novamente propostas tremendamente desequilibradas.